28 janeiro 2025

Algumas notas de natureza fiscal com impacto laboral (IV)

Retenção na fonte - Pagamento pela entidade patronal do saldo do "Banco de Horas"

Informação Vinculativa da AT, processo n.º 24154, com despacho de 2024-05-10, disponível aqui (transcrição dos 3 últimos pontos):

13.Face ao exposto, não se pode equiparar o regime do banco de horas ao das horas extraordinárias.

14.Consequentemente, e em termos de retenção na fonte a efetuar pela entidade patronal, ao pagamento do banco de horas não é aplicável o nº 5 do artigo 99º-C do Código do IRS, visto não se tratar de trabalho suplementar.

15.Mais se informa que a retenção na fonte efetuada mensalmente pela entidade patronal tem a natureza de imposto por conta devido a final.


27 janeiro 2025

Algumas notas de natureza fiscal com impacto laboral (III)

Rendimentos pagos após sentença judicial favorável - juros de mora - tributação em sede de IRS

Informação Vinculativa AT, processo n.º 919/2018, de 24/04/2018 - disponível aqui.



Presunção de laboralidade // Comunicação Social

O caso de uma apresentadora de televisão contra a TVI

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/01/2025, processo n.º 751/21.6T8CSC.L1.S1, relator Mário Belo Morgado

Sumário:

I. Entre as partes estabeleceu-se uma relação obrigacional que, com grande estabilidade, embora com vários hiatos, remonta ao ano de 2003.

II. Em 10.11.2010, já após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, surge um primeiro contrato escrito celebrado entre as partes, seguido de outro, outorgado em 22.02.2011, intitulados, respetivamente, “Contrato” e “Contrato de prestação de serviços”, nos quais se estipulou a revogação de todos os contratos anteriormente celebrados entre as partes com o mesmo objeto, tudo a evidenciar que o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se foi reconfigurando ao longo do tempo.

III. Neste contexto, à(s) relação(ões) jurídica(s) estabelecida(s) entre as partes a partir de 10.11.2010 é aplicável o Código do Trabalho de 2009.

IV. Encontrando-se verificados os elementos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 12.º deste diploma, presume-se a existência de um contrato de trabalho.

V. Em face do peso global de todos os elementos característicos de uma relação de trabalho autónomo que in casu se provaram, impõe-se considerar ilidida a presunção de laboralidade.


Destaca-se na fundamentação (transcrição)

11. Efetivamente, há várias situações profissionais em que é muito estreita a fronteira entre subordinação e autonomia e, nessa medida, entre o contrato de trabalho e outros tipos contratuais (maxime, o contrato de prestação de serviço), realidade que vem suscitando acrescidas dificuldades de enquadramento jurídico no contexto atual, marcado pelas novas tecnologias e por novas formas de organização do trabalho, traduzidas, nomeadamente, nas mais diversas modalidades de flexibilidade e mobilidade laboral, maior autonomia técnica dos trabalhadores e pela diluição de vários dos elementos tradicionalmente presentes numa abordagem rígida do conceito de subordinação jurídica.

Estas zonas cinzentas estão com frequência presentes nas relações que se estabelecem entre as empresas de comunicação social e os seus colaboradores: umas vezes estes desenvolvem a sua atividade como freelancer e noutras integram os quadros da empresa; mas, na sequência das crescentes dinâmicas de flexibilidade organizativa que neste ramo se fazem sentir, a verdade é que as relações de emprego atípicas se vão tornando cada vez mais típicas.

Com frequência, trabalhadores ditos independentes são economicamente dependentes da empresa em que desenvolvem a sua atividade, não raro ao longo de vários anos e em situação de exclusividade. Acresce que em muitos casos eles trabalham nas instalações da empresa, utilizam equipamentos desta e executam tarefas semelhantes às dos seus “colegas” formalmente assalariados, relativamente aos quais nem sempre se evidencia uma diferença nítida em termos de inserção na estrutura organizativa.

Vale dizer que o trabalho baseado em projetos (muito comum em televisão), realizada por conta de um empregador específico, consistente em tarefas definidas e com objetivos e resultados previamente estabelecidos, tanto pode ser realizado por trabalhadores realmente independentes (freelancer), por trabalhadores economicamente dependentes ou por trabalhadores assumidamente detentores de um vínculo laboral. Todo um campo privilegiado, pois, para relações de trabalho pouco claras, ambíguas ou encobertas.

//

15. Tendo em conta a natureza da atividade desenvolvida pela autora, incompatível com um posto de trabalho fixo e com um horário de trabalho com horas de início e termo pré-definidos, é patente que no caso em apreço, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, não podem deixar de considerar-se local de trabalho todos os locais pertencentes ao beneficiário da prestação ou às produtoras externas dos programas, ou seja, todos os locais onde, para além da emissão dos programas, eram realizadas as necessárias atividades preparatórias, complementares ou acessórias.

//

17. Em suma, encontram-se verificados os elementos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, pelo que se presume a existência de um contrato de trabalho entre as partes.

Todavia, não pode deixar de sinalizar-se que, na situação em análise, pese embora constituam base suficiente para o funcionamento da afirmada presunção, os factos atinentes ao local de trabalho e ao horário da prestação são compatíveis com qualquer das modalidades de vínculo obrigacional em confronto, uma vez que o circunstancialismo apurado neste âmbito é o caracteristicamente verificado na atividade em causa, independentemente da natureza do contrato.

Já quanto ao condicionalismo previsto na alínea b) da mesma disposição legal, de forma alguma se pode considerar preenchido, uma vez que “a A. não tinha nenhum instrumento de trabalho fornecido pela Ré TVI, suportando aquela diretamente todos os custos decorrentes da aquisição desses equipamentos, os quais eram relevantes para a prestação da sua atividade, com exceção do microfone e/ou auriculares que fazem parte do sistema de som do programa a gravar” (facto nº 159).

//

Com efeito, embora o nomen juris utilizado pelas partes na titulação formal dada ao contrato não seja fator decisivo quanto à sua qualificação (e muito menos, naturalmente, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica), ele é um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial.

18.2. Do contrato subscrito em 10.11.2010, apenas intitulado “Contrato”, decorre que o seu objeto é referenciado como prestação de serviços (cfr. cláusulas primeira, segunda, terceira e sétima), sendo o documento datado de 22.02.2011 denominado “Contrato de prestação de serviços.

É de presumir que uma pessoa como a autora, naturalmente dotada de padrões culturais diferenciados, tivesse consciência do significado/alcance dos documentos assim assinados e que conhecesse a diferença existente entre os contratos de trabalho e de prestação de serviço, bem como as implicações jurídicas e práticas inerentes à seleção de uma ou outra destas categorias, sendo certo que o clausulado inserto em tais documentos é no essencial característico de uma relação jurídica de carácter autónomo.

//

Todavia, apesar da longevidade desta ligação, constata-se que a mesma conheceu sofreu várias interrupções e períodos de descontinuidade, fator que na solução do litígio assume relevância determinante, dada a sua incompatibilidade com a permanência suposta numa relação laboral.

//

A este propósito, conexamente, importa ainda considerar que nos períodos em que à A. não estava atribuído qualquer programa ela não tinha qualquer colaboração com a R. TVI (nº 114 dos factos provados); que durante os períodos em que a A. não tinha qualquer programa atribuído nunca reclamou da R. qualquer “direito” a que lhe fosse atribuído algum trabalho (nº 119 dos factos provados); que quando a A. não prestava a sua atividade à R. não recebia qualquer montante (nº 137 dos factos provados); e que a A. era livre de não aceitar as propostas que a R. lhe apresentava, tendo recusado participar em programas para os quais havia sido convidada (cfr. nº 152 dos factos provados).

Associado a esta intermitência, acresce, também muito significativamente, que “a A. sempre foi contratada “à peça” ou seja, era convidada para a apresentação de um determinado programa e recebia especificamente pelos programas que apresentava” (nº 113 dos factos provados e ainda, no mesmo sentido, v.g. os nºs 44, 48, 56, 57, 59, 62, 63, 66, 68, 71, 75, 77, 79, 81 e 89), sendo certo que “o contrato de prestação de serviço tem habitualmente uma remuneração calculada em função do resultado atingido [ou da atividade desenvolvida], ao passo que no contrato de trabalho a retribuição é usualmente calculada em função do tempo de trabalho.


Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e3460a153138a07180258c14005e9b6a?OpenDocument

Despedimento por facto imputável ao trabalhador - apropriação ilícita

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28/06/2012, processo n.º 825/09.0TTSTB.E1, relator Correia Pinto 

Sumário:

I- A nota de culpa irregular por não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, só determina a nulidade do processo disciplinar quando o trabalhador não consiga apreender os factos de que é acusado e quando, por via disso, fique impedido de exercer eficazmente o direito de defesa que a lei lhe confere.

II- A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.

III- A apropriação ilícita de bens pelo trabalhador assume extrema gravidade no contexto da empresa na medida em que, independentemente do valor dos bens, tal comportamento é gerador de descrédito da entidade patronal na futura conduta do trabalhador, na sua lealdade para com o empregador.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/AE48C2BCD64F5B3F80257DE10056F924


Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27/06/2024, processo n.º 671/23.0T8BJA.E1, relator Paula do Paço

Sumário:

I- Em ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, alegando a trabalhadora que o procedimento disciplinar apresentado não está completo porque dele não consta qualquer termo de abertura, termo de encerramento, nem a procuração passada a favor do instrutor, a mesma teria que ter alegado, também, que tais elementos constavam anteriormente do procedimento e que não foram juntos.

II- A realização de diligências probatórias anteriores à comunicação da nota de culpa não tem de constar desta peça processual.

III- A fase de defesa da trabalhadora começa após a notificação da nota de culpa.

IV- O prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho é o prazo que o legislador laboral considerou razoável para o empregador reagir à prática de uma infração disciplinar.

V- Se o superior hierárquico com competência disciplinar decide, no mesmo dia em que toma conhecimento dos factos praticados pela trabalhadora, instaurar-lhe procedimento disciplinar, determinando logo a remessa dos elementos necessários para a abertura do procedimento ao instrutor, que, logo de seguida, realiza diligências probatórias e elabora nota de culpa que é comunicada à trabalhadora antes de decorridos 60 dias da data em que foi decidida a instauração do procedimento, é manifesto que a reação disciplinar ocorreu dentro do prazo legalmente previsto.

VI- A suspensão do trabalhador durante o desenvolvimento do procedimento disciplinar é uma prerrogativa do empregador e a sua utilização (ou não) é uma decisão de natureza gestionária.

VII- A circunstância de a trabalhadora não ter sido suspensa durante o desenrolar do procedimento disciplinar, não significa que o empregador tenha continuado a confiar nela.

VIII- A suspensão da trabalhadora não é uma condição para que mais tarde o empregador possa invocar a quebra de confiança e, em consequência, a impossibilidade de sobrevivência da relação laboral.

IX- Ocorre justa causa de despedimento numa situação em que uma trabalhadora que prestava funções numa linha de resíduos sólidos urbanos, encontra, entre os resíduos, um envelope contendo € 1.620,00 e guarda o envelope, recusando-se a devolver o dinheiro, mesmo depois de tal devolução lhe ter sido ordenada pelo seu superior hierárquico, com a menção expressa de que se tratava de uma ordem direta da empregadora, e, mais tarde, mente ao superior hierárquico dizendo-lhe que já tinha entregado o dinheiro na PSP, quando tal não era verdade.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/233dac935396fd3e80258b8c002d7978?OpenDocument


Isenção de Custas - Art.º 4.º, n.º 1, h) do Regulamento das Custas Processuais

Sobre o art.º 4.º, n.º 1, h) do Regulamento das Custas Processuais 

1 - Estão isentos de custas:

h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;


Exemplos:

- Guia das Custas Processuais CEJ - pp. 52 - 60 (ver aqui)


- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/10/2014, processo n.º 257/13.7TTVFX-A.L1-4, relator Duro Mateus Cardoso:

Sumário:

I- Os rendimentos a ter em conta para efeitos do disposto no art. 4º-1-h) do Regulamento das Custas Processuais são mais abrangentes do que o contido no conceito de retribuição, incluindo todo o tipo de quantias percebidas pelo trabalhador por causa do trabalho prestado ou com relação com o mesmo, incluindo as ajudas de custo. 

II- Estando em causa uma acção de impugnação judicial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tem de se atender ao rendimento ilíquido à data do despedimento. 

III- Não sendo a questão, em concreto, da existência, ou não, de isenção de custas, óbvia ou manifesta, é razoável e equilibrado que se aplique analogicamente o disposto no art. 467º-6 do CPC (anterior ao CPC/2013) já que tem por subjacente uma mesma preocupação de acesso Justiça quando ainda não está definido se a parte está obrigada, ou não, a proceder ao pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação de articulados.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/70fb8d1e33d166e080257d70004df004?OpenDocument

Custas Processuais

Guia prático CEJ - 5.ª edição (março de 2021, revista atualizada e aumentada)

Disponível aqui:

https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=mBfuThSKNbM%3d&portalid=30

10 janeiro 2025

Fundo de Garantia Salarial - créditos abrangidos: revogação do contrato de trabalho vs resolução do contrato de trabalho

Por exemplo:

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06/06/2024

Relator Rogério Paulo da Costa Martins

Processo n.º 02063/14.2BEPRT

Sumário:

11. No caso concreto, a autora resolveu o contrato de trabalho por falta de pagamento pontual das retribuições. Esta modalidade de cessação do contrato de trabalho permite que a autora reivindique o pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de todos os créditos vencidos, mas ainda não pagos.

12. A indemnização pela cessação do contrato, declarada ilegal, é de montante variável e fixada judicialmente, enquanto os restantes créditos aqui em causa se venceram com a cessação, “ipso facto”, do contrato de trabalho e o respectivo montante, líquido, resulta directamente da lei.

13. Enquanto na revogação do contrato de trabalho se pretende facilitar o acordo de cessação do contrato de trabalho, na resolução do contrato de trabalho pretende-se sancionar o comportamento da entidade empregadora (in casu, o não pagamento pontual das retribuições). Esta distinção que fundamenta que a compensação pecuniária global englobe os créditos laborais vencidos, enquanto a indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, não.

14. As diferenças apontadas acarretam implicações em sede de exigibilidade e de vencimento dos créditos laborais: no caso da revogação do contrato de trabalho a compensação pecuniária global vence-se na data acordada pelas partes, enquanto, no caso da resolução do contrato de trabalho, a indemnização vence-se na data do trânsito em julgado da sentença que a fixa e os restantes créditos laborais vencem na data da cessação do contrato de trabalho.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/31fbf4d1979f991980258b41003375f5?OpenDocument

09 janeiro 2025

Fundo de Garantia Salarial - limites máximos, princípios da legalidade e do aproveitamento do ato

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17/11/2023

Processo n.º 00618/20.5BEBRG

Relator Rogério Paulo da Costa Martins

Sumário:

1. O facto de não ter sido fundamento do acto impugnado o limite máximo global fixado no artigo 3º, n.º1, do novo regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.não significa que não pudesse a validade do acto ser apreciada a luz deste limite, tendo em conta, por um lado, o princípio da legalidade que se impõe sobre a Administração e, por outro lado, o princípio do aproveitamento do acto que impõe, nos casos de decisões estritamente vinculadas, como é o caso, que se mantenha o acto na ordem jurídica por fundamento legal diverso do invocado mas que seja aplicável, como aqui sucede.

2. A letra do artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.04, apenas permite o entendimento de que o trabalhador tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia; mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida.

3. Ou seja, a segunda parte do preceito não tem uma aplicação geral; pelo contrário, como resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o requerente auferia uma retribuição mensal superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida; neste caso – e só neste - o valor global a pagar é dezoito vezes a remuneração mínima garantida face à redução imposta pela segunda parte do preceito em análise.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/59bb08d81d9ffd5780258a6f004d235a?OpenDocument

07 janeiro 2025

Comissões sobre vendas, retribuição de férias e subsídio de férias

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/2024

Processo n.º 865/21.2T8VLG.P1

Relator Maria Luzia Carvalho

Sumário:

II - As comissões sobre vendas, ainda que sejam contrapartida do trabalho, não são contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, pelo que não integram o subsídio de férias.

III - O pagamento no mês de férias das comissões por vendas realizadas em meses anteriores, não se confunde com o pagamento da retribuição de férias calculada com base na média das comissões pagas nos últimos doze meses.

IV - O trabalhador tem direito à integração na retribuição de férias, da média das comissões aferidas nos últimos doze meses, desde que as mesmas sejam pagas de forma regular e periódica, isto é, pelo menos, onze meses no ano.

Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0210ac8434fddbe280258bff004bdb79?OpenDocument

Despedimento por facto imputável ao trabalhador

Nota de culpa deficiente / Decisão de despedimento

Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3/12/2024

Processo n.º 1571/23.9T8BGC-B.G1

Relator Vera Sottomayor


Sumário:

«I- A nota de culpa não se pode cingir à indicação de comportamentos genéricos, obscuros e abstratos do trabalhador, ao invés deve conter factos concretos, localizados no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar corretamente a sua defesa.

II- É assim de concluir pela irregularidade de cada uma das notas de culpa com a consequente invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 382.º do CT. uma vez que não cumprem a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados a cada uma das trabalhadoras. Ao invés, as referidas notas de culpa limitam-se a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a minimamente concretizadas em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas expressões/afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.

III- A decisão de despedimento tem de ser fundamentada, o que significa que se tem de alicerçar nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do procedimento disciplinar, não podendo ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade. Contudo é admissível a fundamentação indireta, ou seja, por remissão para outra peça do processo, designadamente para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução, caso este exista.»


Destaco, ainda:


i) Sobre as Notas de Culpa

Um dos processos

b) A “Nota de Culpa”, que consta de fls. 16 vº a 18 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, imputa à A. os seguintes factos:

1. A Trabalhadora AA foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2023, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Serviços Gerais”;

2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora AA relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia;

3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora AA a seguinte descrição de comportamentos:

“A AA agride-me verbalmente, essas agressões acontecem à bastante tempo, fala-me muito alto e com muita agressividade, tenho muito medo dela, já lhe pedi para me deixar em paz, sempre que entra no meu quarto fico muito assustado”.

4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD.

5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora AA, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes.

6. Estão em causa comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do Utente BB, para além, naturalmente, de as condutas em causa consubstanciarem um tratamento violento, humilhante e degradante, não só com efeitos sobre o Utente em causa, mas, também, para os demais, em face do clima de medo e terror que tais comportamentos significam para o dia-a-dia da Instituição.

7. (…).

8. Os factos em causa consubstanciam, ainda, a prática do crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, do Código Penal.

Outro dos processos

b) A “Nota de Culpa”, que consta de fls. 21 vº a 23 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, imputa à A. os seguintes factos:

1. A Trabalhadora CC foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2022, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Acção Médica”;

2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora CC relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia;

3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora CC a seguinte descrição de comportamentos:

“A CC sem motivo, encostou-me a cabeça ao peito dela e bateu-me três vezes na cabeça, fiquei com muito medo, tenho medo que voltem a entrar no meu quarto”.

4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD.

5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora CC, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes.

6. Estão em causa comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do Utente BB, para além, naturalmente, de as condutas em causa consubstanciarem um tratamento violento, humilhante e degradante, não só com efeitos sobre o Utente em causa, mas, também, para os demais, em face do clima de medo e terror que tais comportamentos significam para o dia-a-dia da Instituição.

7. (…).

8. Os factos em causa consubstanciam, ainda, a prática do crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, do Código Penal.

Fundamentação

Analisadas as duas notas de culpa em causa constatamos que as descrições efetuadas relativamente aos episódios relatados referentes a cada uma das trabalhadoras terão de ser de considerados de vagos e genéricos desprovidos de qualquer factualidade que os permita situar no tempo, no modo e no lugar, não podendo por isso deixar de ser considerados de não circunstanciados. Foram episódios, relatados por um utente de forma vaga, sem qualquer indicação de tempo, lugar e modo, desprovidos de qualquer enquadramento circunstancial, podendo tais episódios ter ou não ocorrido há meses ou recentemente, o que torna, desde logo impossível a invocação de uma eventual caducidade.

Na verdade, da descrição efetuada em qualquer uma das notas de culpa não podemos de forma alguma concluir que as mesmas permitem, a cada uma das trabalhadoras, de forma segura, conhecer, ou reconhecer e situar no tempo o concreto comportamento que é imputado a cada uma delas, desde logo, porque os comportamentos estão relatados de forma conclusiva e desprovida de localização, sem que se consiga alcançar quando e onde teria ocorrido o concreto episódio a que o utente se pretendia referir. A expressão “agride-me verbalmente” nada elucida e a frase “encostou-me a cabeça ao peito dela e bateu-me três vezes na cabeça” também é muito pouco elucidativa, ficando sem se compreender, quando, como, onde e em que circunstâncias é que tal factualidade ocorreu.

É assim de concluir pela irregularidade de cada uma das notas de culpa com a consequente invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 382.º do CT. uma vez que não cumprem a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados a cada uma das trabalhadoras. Ao invés, as referidas notas de culpa limitam-se a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a minimamente concretizadas em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas expressões/afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.


ii) Sobre a decisão de despedimento

Um dos processos

v) Contrato de trabalho que cessou no dia 21/11/2023, data em que a A. recebeu da Ré a comunicação escrita que esta lhe dirigiu com data de 20-11-2023 e intitula de “Rescisão do Contrato de trabalho”.

Outro dos processos

f) A Ré remeteu para a A. comunicação de cessação contratual, datada de 20/NOV/2023 que intitula de “Rescisão do contrato de trabalho”, com o seguinte teor:

Assunto: Rescisão do contrato de trabalho.

Exma. Sra. CC.

Com referência ao contrato de trabalho, celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e V. Excia., no passado 10 de Março de 2022 vimos por este meio e nos termos do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, comunicar-lhe a nossa vontade de o fazer cessar, com efeitos a partir de 20 de Novembro de 2023, o contrato de trabalhado em vigor com esta instituição em virtude de da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., ter sido confrontada com fortes indícios de um comportamento irregular e lesivo dos interesses desta instituição e dos seus Utentes, com a consequente dedução da Nota de Culpa ao abrigo do disposto no artigo 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

A partir do dia 21 de novembro de 2023 pode recolher na secretaria um Certificado de Trabalho ou qualquer outra documentação que V. Excia. considere pertinente.

Com os melhores cumprimentos.

O Provedor”

Fundamentação

A decisão do despedimento notificada a cada uma das trabalhadoras limita-se a comunicar a cessação do contrato de trabalho da iniciativa do empregador com referência às disposições legais que supostamente sustentam a decisão, sendo totalmente omissa quanto aos fundamentos de facto que determinaram o despedimento, nem sequer remete para a nota de culpa.
Da referida decisão não consta qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento, nem da mesma resulta que tenha sido efetuada qualquer ponderação das circunstâncias concretas que permitiu concluir pela impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral, nem consta qualquer factualidade que permita concluir pela adequação do despedimento à culpabilidade das trabalhadoras.
Daqui decorre que qualquer uma das trabalhadoras quando receberam a decisão final – comunicação do despedimento, não tiveram completo conhecimento nem dos factos de que foram acusadas, nem da fundamentação subjacente à tomada dessa decisão, pois ao invés do afirmado pela recorrente, a decisão final não remete e forma expressa para a nota de culpa, limitando-se a mencioná-la sem que contenha qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento.


Disponível aqui:

https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/429d4e942d1e41cf80258bee00361d7c?OpenDocument