12 fevereiro 2025

Retribuições Intercalares e Despedimento ilícito

DIREITO ÀS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES COMO EFEITO DO DESPEDIMENTO ILÍCITO:

PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO OU CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM

– ANOTAÇÃO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 18 DE JUNHO DE

2014 

Artigo de Sara Leitão, na RDIT, n.º 1 (2021), disponível aqui.

06 fevereiro 2025

Subsídio de desemprego e trabalhador agrícola

Acórdão do TCA-Norte, de 19/02/2016, processo n.º 00246/13.1BEVIS, relator Joaquim Cruzeiro

Sumário:

I - Não é pelo facto de não se ter apresentado junto dos serviços da Segurança Social o acordo a referir que os descontos incidiriam sobre remunerações certas, constante do artigo 38º do DR 75/86, de 30 de Dezembro, que se pode concluir que o recorrido procedeu a descontos sobre remuneração convencionada.

II- Estando nós perante descontos relativos a uma remuneração certa, não há dúvidas que o recorrido tem direito a subsídio de desemprego e não apenas a subsídio social de desemprego.

III- Tendo o recorrido procedido a descontos durante mais 26 anos sobre remuneração certas, descontos estes que a Segurança Social recebeu, se não viesse a receber subsídio de desemprego, apesar de estar em situação de desemprego involuntário, estaríamos perante uma solução manifestamente desproporcional e violadora do direito constitucional à protecção social no desemprego.*


Disponível aqui.

Insolvência e Contrato de Trabalho (algum material disponível online)

- Atas do VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais: A Insolvência e as Empresas (abril de 2015), disponível aqui.


- Diapositivos "Insolvência e cessação dos contratos de trabalho - O papel do Administrador de Insolvência", da Sociedade de Advogados GLX LTM, Associados (29.11.2019), disponível aqui.


- Algumas dissertações de mestrado acessíveis online, em acesso aberto (por ordem cronológica decrescente): aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


- Alguns aspetos procedimentais na jurisprudência:

a) Acórdão do TRG, de 15/03/2016, processo n.º 814.14.4TJVNF-F.G1, relator Isabel Rocha:

Sumário:

I-O art.º 347 n.º 3 do Código do Trabalho aplicável nos casos de cessação do contrato de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento do estabelecimento definitivo em sede de insolvência rege que a cessação dos contratos de trabalho deve ser antecedida do procedimento previsto no art.º 360.º relativo ao despedimento colectivo com as necessárias adaptações.
II-Não obstante, não constando da letra da norma do art.º 347.º CT, qualquer referência à consequência no caso de incumprimento das formalidades, temos para nós que a mesma deve ser objecto de interpretação extensiva no sentido de se considerar a aplicação do regime do despedimento colectivo no que concerne às consequências da omissão dos procedimentos, uma vez que, a razão de ser de tais procedimentos com as devidas adaptações é a mesma, ou seja, a protecção dos trabalhadores designadamente no que concerne aos seus direitos no caso concreto os direitos de créditos, decorrentes da extinção do contrato de trabalho, concluindo-se que a letra da seu texto fica aquém do espirito da lei, pois que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, por dizer menos do que aquilo que pretendia (art.º 9.º do CC). Ou seja, a razão da obrigação das formalidades está indubitavelmente abrangida no espirito da lei, razão pela qual nem sequer estamos em face de uma qualquer lacuna da lei.
III -A norma do art.º 388.º do CT não substantiva, não tem cabimento quando os trabalhadores exercem os seus direitos de créditos em sede de insolvência, uma vez que art.º 90.º do CIRE dispõe que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código.

Da Fundamentação destaco ainda:

É certo que, alguns dos procedimentos não se adaptam á natureza da cessação do contrato de trabalho.
Assim sucede no que concerne à comunicação escrita referida no art.º 360.º n.ºs 1e 2 alínea a) não se justifica a referência aos motivos invocados pelo despedimento, mas ainda assim faz sentido a comunicação ainda que baste a indicação da situação de insolvência.
Também não faz sentido o disposto no n.º 2 alíneas b e c), do mesmo art.º relativo aos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir uma vez que, o encerramento do estabelecimento afecta todos os trabalhadores.
Já alínea e) deve ser cumprida.
Quanto à alínea f) do mesmo art.º não parece que os administrador da insolvência possa ao abrigo do art.º 360 n.2 atribuir aos trabalhadores qualquer indemnização acima dos critérios legais uma vez que está que lhe está vedado agravar a situação financeira da empresa.
Por outro lado, entende-se que não parece haver lugar às informações e negociações previstas no artº 361º, porque elas pressupõem a continuidade da empresa.
Mas entendemos aplicável no caso concreto, o aviso prévio referido no art.º363.º 1 n.º 2 do CT.
No caso dos autos e ressalvando a conciliação entre o apelante e a Administradora da Insolvência, que se gorou, nenhuma formalidade foi cumprida que coubesse no caso concreto. Ora os procedimentos que cabem neste caso não são despicientes pois que, as formalidades exigidas no caso, na medida em que decorrem para a transparência dos actos e das suas motivações, permitem uma melhor definição e ponderação de interesses permitindo concretamente, a protecção do trabalhador no sentido de ter a informação necessária para aferir dos seus direitos decorrentes da cessão do contrato de trabalho no caso os direitos de créditos, e ainda a possibilidade de organizara a sua vida, antecipadamente, em face da extinção do seu contrato de trabalho.
Como refere o Conselheiro Júlio Gomes, “Parece-nos, que havendo caducidade dos contratos de trabalho por força do encerramento definitivo da empresa haverá que realizar o procedimento previsto para o despedimento colectivo, como inequivocamente resulta do n.º 5 do artigo 347.°, o qual, longe de ser inútil , esclarece que mesmo nesta hipótese há que respeitar o procedimento do despedimento colectivo com as necessárias adaptações não devem traduzir-se em suprimir o referido procedimento das formalidades.” (in Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho).

Disponível aqui.

b) Acórdão do STJ, de 30/05/2017, processo n.º 1385/13.4TJCBR-H.C1.S1, relator José Rainho:

Sumário:

I - A cessação, no contexto da insolvência, do contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa, deve ser antecedida do pré-aviso a que se refere o nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho, por força do nº 3 do art. 347º do mesmo Código.
II - Não tendo sido observado tal pré-aviso, haverá lugar na insolvência à consideração do crédito reclamado correspondente à retribuição inerente ao período do pré-aviso omitido.

Factos provados:

- A insolvência de AA, Lda. foi declarada em 7 de junho de 2013;
- O respetivo estabelecimento manteve-se em laboração com três trabalhadores (os indicados na alínea f) do dispositivo do acórdão recorrido);
- O encerramento ocorreu em 31 de julho de 2013;
- Por comunicação de 20 de junho de 2013 a administradora da insolvência fez cessar os contratos de trabalho dos demais trabalhadores impugnantes (ou seja, de todos os trabalhadores impugnantes para além dos três indicados) com efeitos imediatos;
- Tal comunicação não foi feita com a antecedência de 75 dias;
- Todos esses trabalhadores em causa possuíam antiguidade superior a 10 anos.

Destaco, ainda, na fundamentação:

Sustenta a Recorrente que, diversamente do decidido no acórdão recorrido, não gozam os credores trabalhadores em questão do direito à retribuição correspondente ao período de pré-aviso 75 dias. Entende que a norma (art. 363º, nº 1) do Código do Trabalho que, no contexto do despedimento coletivo, trata desta matéria não tem aplicação ao caso, antes terá o assunto que ser equacionado à luz das normas que cita do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Cremos que não tem razão.

// 

Como reconhece a própria Recorrente nas suas conclusões D e E, o pré-aviso tem em vista assegurar interesses assaz relevantes para o trabalhador, e daqui que, mantendo-se o estabelecimento em funcionamento, parece começar por não fazer muito sentido admitir que a lei possa ter querido abduzir tal pré-aviso do leque das exigências procedimentais para que remete (as do despedimento coletivo). O que é dizer, as “necessárias adaptações” de que fala o nº 3 do art. 347º do Código do Trabalho não implicam o afastamento da referida exigência legal. Na realidade, a expressão “necessárias adaptações” só pode estar a reportar-se à supressão dos procedimentos cujo cumprimento não teria utilidade nenhuma nem faria qualquer sentido, e não vemos que seja o caso.

//

A verdade é que, e contrariamente ao entendimento da Recorrente, não estando ainda o estabelecimento definitivamente encerrado (com o que se mantêm os contratos de trabalho e está o administrador da insolvência obrigado a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores) nem estando comprovadamente decidido ou deliberado o seu encerramento para o imediato, nada se encontra à partida que contenda quer com a operacionalidade quer com a lógica do pré-aviso para a cessação do contrato de trabalho no contexto em que nos movemos, na certeza até de que o estabelecimento poderá nem sequer vir a ser encerrado (v., entre outros, os art.s 1º, nº 1, 55º, nº 1 b), 156º, nº 2, 162º, 192º, nº 1 e 195º, nº 2 b) do CIRE). E se, ao invés, estiver já decidido ou deliberado para breve o encerramento do estabelecimento, e assim traçado o destino dos contratos de trabalho (caducidade), certamente que não se antolhará como necessária (nem tal se esperará de um administrador da insolvência diligente, isto com vista a evitar sobrecarregar a massa com a retribuição inerente ao período do aviso prévio) a cessação de contratos de trabalho de trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.

Aplicando este entendimento ao caso concreto, pensamos, assim, que havia de ter sido cumprido o pré-aviso legal, pois que, à partida, nada o impedia em termos operacionais e lógicos. Repare-se, a propósito, que nada se mostra sequer alegado ou provado no sentido de que aquando da cessação dos contratos de trabalho existia deliberação ou decisão no sentido do encerramento do estabelecimento (e muito menos encerramento para breve), conquanto se saiba que este foi encerrado pouco mais de um mês depois. E, por outro lado e como se aponta no acórdão recorrido, a extinção dos contratos de trabalho não pode ocorrer de forma abrupta, antes terá que acontecer, sendo tal possível, de modo a permitir a tomada de medidas que possam minorar os graves danos que resultam para os trabalhadores da perda do seu emprego. O período de pré-aviso concede ao trabalhador um tempo para se reorganizar do ponto de vista laboral, de modo que a cessação do contrato só deverá poder ocorrer após o decurso desse prazo ou, se for o caso, com o encerramento definitivo do estabelecimento. Nenhuma norma, princípio ou orientação constante do CIRE contraria, quanto a nós, esta conclusão.

Donde, inobservado que foi in casu o pré-aviso devido, ocorreu um ilícito contratual, gerador da obrigação de reparação do dano na forma específica fixada na lei. O que é dizer, haverá lugar na insolvência à consideração dos reclamados créditos correspondentes à retribuição inerente ao período do pré-aviso omitido (75 dias, conforme a alínea d) do nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho). (No limite, poder-se-ia porventura defender que deveria haver lugar ao pagamento de apenas parte desse tempo de retribuição. Dir-se-ia: tendo ocorrido o encerramento definitivo do estabelecimento - momento em que sempre caducariam os contratos de trabalho - antes de transcorrido o referido período do aviso prévio, cessaria necessariamente nessa altura o dano que a lei visa ser reparado, de sorte que os trabalhadores apenas teriam direito às retribuições que iriam auferir até à virtual caducidade do contrato. A verdade, porém, é que este possível enquadramento jurídico não faz parte do thema decidendum tal como proposto no presente recurso, pelo que não nos vamos envolver nele).

Por último: embora o panorama jurisprudencial e doutrinário não forneça (tanto quanto seja do nosso conhecimento) qualquer contributo acerca da concreta questão aqui em discussão, aponte-se ao menos o contributo académico de Leonor Pizarro Monteiro (O Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, Almedina, 2017, p. 45, nota 53 [dissertação de mestrado]), que vai precisamente no sentido que defendemos: que na cessação do contrato no contexto do nº 2 do art. 347º do Código do Trabalho deverá ser cumprido o aviso prévio previsto no nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho, não podendo o trabalhador ser confrontado com a rotura abrupta da relação laboral. Esta parece constituir, na verdade e dentro do enquadramento acima exposto, a boa interpretação da lei.

Disponível aqui.


03 fevereiro 2025

A prova digital em processo civil: aspectos gerais [Blog IPPC]

Artigo de M. Teixeira de Sousa disponível aqui


Assédio Moral

Dissertação de mestrado "Assédio moral ou mobbing: Soluções de Iure Condendo."

Namora, N.M.C. (2015). Assédio moral ou mobbing: Soluções de Iure Condendo. (dissertação de Mestrado), Universidade Portucalense, Portugal.

Disponível aqui.

01 fevereiro 2025

Despedimento com justa causa e dever de lealdade

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2024

Processo n.º 503/23.9T8LRS.L1.S1

Relator José Eduardo Sapateiro


Sumário:

I - O dever de lealdade radica-se, desde logo, no dever geral de boa-fé que se mostra previsto, por exemplo, no artigo 126.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009 e encontra-se especificado, como uma das obrigações contratuais e legais dos trabalhadores, na alínea f) do número 1 do artigo 128.º do mesmo diploma legal, ainda que sem reflexo expresso e direto na enumeração – exemplificativa, realce-se - das causas de despedimento unilateral por iniciativa do empregador do número 2 do artigo 351.º do CT/2009.

II – A violação do dever de lealdade pode assumir distintas vertentes e cambiantes – por exemplo e entre muitas outras, divulgação de informações confidenciais junto de outras empresas do ramo, queixas anónimas ou identificadas que, acerca da organização e funcionamento da empregadora, sejam divulgadas, em moldes imediatos, à comunicação social e ao público em geral, ocultação de dados essenciais e obrigatórios, de cariz porfissional ou institucional à entidade patronal, etc. -, sendo as mais vulgares as ligadas à concorrência desleal levada a cabo pelos trabalhadores por referência às suas empregadoras, com a constituição de sociedades com idêntico objeto ou objetos afins e/ou o desenvolvimento individualizado de atividade paralela e similar à laboralmente executada, dentro do mesmo setor produtivo [aqui encarado em termos latos] daquelas, em termos de competirem, confrontarem ou conflituarem de forma mais ou menos direta com a sua prestação económica de bens e serviços, independemente de, com tais condutas prejudicarem ou não, em termos efetivos, as suas entidades patronais.

III - A prova efetuada pela empregadora não se revela suficiente para se poder afirmar, de uma forma consequente, incisiva, objetiva, segura, que a trabalhadora assumiu os demonstrados comportamentos próprios de mediadora imobiliária durante os períodos de baixa médica e em expressa violação das restrições medicamente impostas pelo médico que emitiu os respetivos certificados.

IV - Não existindo qualquer obrigação contratual da parte da trabalhadora para com a empregadora no sentido de laborar apenas, em termos remunerados, para esta última, nada impedia, em princípio, que a recorrida assumisse, por conta de outrém ou por conta própria, uma outra atividade profissional, se bem que esta última não deveria, em regra, obstar, dificultar ou, simplesmente, perturbar as funções contratadas com a Ré de Tripulante de Cabine.

V - Em regra, não existe uma obrigação do trabalhador em informar a sua empregadora de que executa essa outra atividade não concorrente e paralela às funções profissionais que para ela assegura, quando a mesma é esporádica, irregular, sem carácter constante ou, pelo menos, frequente [não faz qualquer sentido impor a um trabalhador que comunique à sua entidade patronal que trabalha, ocasionalmente, como ... ou ... ou numa ... qualquer ou que, também, nos seus tempos livres faz ... ou ... num bar ou é, por vezes, esporadicamente, ..., cuidador de ... ou ... ou vendedor de ..., ..., ... ou outros bens ou serviços.

VI - Quando essa sua segunda atividade assume já um cariz profissional, mais ou menos certo e permanente, em que o número de horas semanal ou mensalmente prestadas são significativas, existe, nem que seja por razões de saúde e segurança do trabalhador no desenvolvimento da atividade principal, o dever deste último informar a sua empregadora dessa outra profissão ou profissões secundárias.

VII - No caso dos autos e ainda que a segunda atividade da Autora apenas se evidencie durante cerca de 3 meses e relativamente a atos que não permitem assegurar que queria fazer ou veio a fazer dela uma segunda profissão [secundária], certo é que a recorrida era Tripulante de Cabine e a atividade económica da TAP é o do transporte aéreo de passageiros e mercadorias, onde são conhecidas as exigências acrescidas de segurança e saúde dos respetivos trabalhadores, por referência, designadamente, aos tempos de trabalho e de descanso dos mesmos, o que impunha à Autora informar a Ré de que era sua intenção desenvolver a atividade de mediadora imobiliária e de que estava a obter formação para o efeito.

VIII - Tendo em atenção o quadro factual constante dos autos e os anos de atividade da recorrida para com a recorrente [durante 17 anos e 10 meses], tal infração disciplinar [não comunicação à empregadora da atividade profissional secundária] é de diminuta gravidade e insuscetível, nos termos e para os efeitos do número 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho de 2009, de fundar o despedimento com justa causa promovido pela Ré contra a Autora, por não tornar imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral existente.


Destaque do Relatório (transcrição):

Ou seja, no dever de guardar lealdade ao empregador, está contido um dever de honestidade que implica uma obrigação de abstenção de qualquer comportamento que possa fazer desaparecer a relação de confiança (enquanto obrigação de conteúdo mais amplo) que se move nas coordenadas impostas pelo princípio da boa-fé.

//

No caso dos autos, o que se passou foi que a autora durante os mesmos períodos de tempo em que esteve ausente do trabalho por incapacidade temporária de exercer a sua atividade de tripulante de cabine ao serviço da ré, mantinha com um terceiro um contrato de prestação de serviços de angariadora imobiliária, tendo executado alguns atos próprios desta atividade, nomeadamente atos tendentes à divulgação de imóveis que se encontravam para venda e de informações sobre o negócio imobiliário, através de publicações das redes sociais.

Ora, não resulta dos autos que a autora estivesse contratual ou convencionalmente vinculada a qualquer dever de exclusividade perante a ré, pelo que lhe era lícito exercer outra atividade em simultâneo com a que desempenhava ao serviço da ré, desde que, como se verifica na situação em apreço, não se tratasse de atividade concorrente daquela a que se dedica a ré.

Ainda assim, não se pode deixar de considerar que, mesmo sendo legítimo o exercício de outra atividade pela autora durante os períodos de incapacidade temporária para o trabalho, nos termos do disposto pelo art.º 109.º, n.º 3 do Código do Trabalho, impendia sobre ela, pelo menos o dever de dar conhecimento à ré de que tal se verificava, já que do nosso ponto de vista está em causa uma circunstância relevante [5].

Na verdade, tendo o empregador interesse na recuperação de quem contratou para lhe prestar trabalho, é merecedora de tutela a expectativa do empregador de que o trabalhar ausente por doença que o incapacita de exercer a sua atividade profissional, não se encontre no mesmo período, durante o qual se mantêm todas as obrigações da empregadora não dependentes da efetiva prestação de trabalho, a exercer outra atividade, designadamente uma atividade remunerada [6].

E é relevante para a empregadora, sobretudo por questões de verdade do relacionamento, suscetíveis de contender com a confiança que deposita nos trabalhadores, o conhecimento de que um seu trabalhador tem uma outra atividade e sobretudo, que tendo-a, não esconde essa informação do empregador.

Nessa medida, a autora, foi no mínimo imprudente, sendo a sua atuação suscetível de pôr em causa a obrigação de boa-fé na execução do contrato de trabalho, violando, por isso, culposamente, o dever de lealdade.

A autora praticou, pois, infração disciplinar, entendida esta como a violação culposa, por ação ou omissão, dos deveres que para o trabalhador resultam do contrato de trabalho ou da lei [7].

A questão que se coloca é a de saber se essa infração disciplinar foi de tal modo grave que se justifique a sanção de despedimento, aplicada pela ré, ou seja, saber se a atuação da autora tornou impossível a subsistência da relação de trabalho com o sentido que já explicitámos acima, o que entronca com a obrigação de proporcionalidade entre a gravidade da infração e a culpa do trabalhador, por um lado, e a sanção disciplinar por outro (art.º 330.º, n.º 1 e 351.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho).

//

No caso dos autos, apesar de termos concluído que a autora praticou infração disciplinar, a sanção de despedimento afigura-se excessiva, porquanto ao factos não demonstram que a manutenção da relação de trabalho se tenha tornado impossível.

Não podemos perder de vista que a infração imputável à autora ainda que configure a violação de dever de lealdade, é a omissão de informar a ré do exercício de outra atividade durante a “baixa médica” e não qualquer outra, o que, sendo o exercício de tal atividade lícita, constitui uma infração de reduzida gravidade.

De resto, não se apurou que a atuação da autora tenha determinado agravamento, mesmo que potencial, do estado de saúde que a impedida de prestar trabalho à ré, ou o prolongamento do impedimento, nem que tenha causado qualquer concreto prejuízo à ré.

Por outro lado, não se pode ignorar que a autora tinha cerca de 7 anos de antiguidade, sem que seja conhecida a prática de qualquer outra infração disciplinar.

Tudo ponderado, podemos afirmar que, no caso dos autos, é ainda positivo o juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, por se manterem as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, para o que releva ainda a dimensão da ré, no seio da qual as relações pessoais entre a trabalhadora e a empregadora se apresentam diluídas.

Isto é, à luz das palavras de Pedro Furtado Martins, que acima transcrevemos, a continuidade do vínculo não representa uma insuportável e injusta imposição ao empregador.


Destaque da Fundamentação do STJ (transcrição) [nota adicional - na fundamentação, há uma resenha de casos julgados no STJ sobre o dever de lealdade]

Importa, nesta matéria, frisar, desde logo, o óbvio: a atividade de mediação imobiliária que a Autora tenciona[va] levar a cabo não é minimamente concorrente com a atividade económica da Ré recorrente, não se podendo, por tal motivo e nessa medida, encarar a alegada violação do dever de lealdade nessa faceta de competição desleal com a mesma, que deixámos antes enunciada.

Tal violação prende-se antes e em tese com a circunstância de a recorrida não ter informado oportunamente a sua entidade empregadora de que andava a ter formação e tinha o propósito de ser mediadora imobiliária por conta da R..., em simultâneo com as funções que desenvolvia profissionalmente para a TAP, como tripulante de cabine e de que terá, durante o período em que esteve de baixa por doença, executado diversos atos que se enquadram na aludida atividade de mediação imobiliária e que, pela sua natureza, seriam violadores das condições em que a dita baixa lhe foi concedida.

Adiantemos desde já a nossa posição quanto ao último aspeto assinalado para dizer que a prova efetuada pela recorrente não se revela suficiente para se poder afirmar, de uma forma consequente, incisiva, objetiva, segura, que a recorrida assumiu os demonstrados comportamentos próprios de mediadora imobiliária durante os períodos de baixa médica e em expressa violação das restrições medicamente impostas pelo médico que emitiu os respetivos certificados.

Faça-se notar que a formação de mediadora imobiliária foi realizada durante as férias pessoais da Autora, interessando ainda recordar que aqueles períodos de baixa não foram todos seguidos e consecutivos, que só parte dos certificados por incapacidade temporária determinavam a permanência da trabalhadora em casa – sem prejuízo dos exames médicos que tivesse de efetuar - e que, durante parte de tal baixa, a Autora sujeitou-se a diversos tratamentos para a cura ou, pelo menos, estabilização e controlo dos problemas que tinha ao nível do ouvido direito e que a impediam de voar – cf. Pontos de Facto xvi. a xvii.].

Dir-se-á agora, quanto ao primeiro aspeto, que não ressalta dos autos um qualquer cenário de exclusividade de funções por parte da Autora para com a Ré, ou seja, não existia qualquer obrigação contratual de parte da primeira no sentido de laborar apenas, em termos remunerados, para a segunda; logo, nada impedia, em princípio, que a recorrida assumisse, por conta de outrém ou por conta própria, uma outra atividade profissional, se bem que esta última não deveria, em regra, obstar, dificultar ou, simplesmente, perturbar as funções contratadas com a Ré de Tripulante de Cabine.

Afigura-se-nos, por outro lado, que, em regra e salvo se implicar sobreposição de horários ou brigar com as regras de segurança e saúde no trabalho, não existe uma obrigação do trabalhador em informar a sua empregadora de que executa essa outra atividade [não concorrente, naturalmente] e paralela às funções profissionais que para ela assegura, quando a mesma é esporádica, irregular, sem carácter constante ou, pelo menos, frequente [não faz qualquer sentido impor a um trabalhador que comunique à sua entidade patronal que trabalha, ocasionalmente, como ... ou ... ou numa loja qualquer ou que, também, nos seus tempos livres, faz ... ou ... num bar ou é, por vezes, esporadicamente, ..., cuidador de ... ou ... ou vendedor de ..., ..., ... ou outros bens ou serviços].

Pensamos, contudo, que quando essa sua segunda atividade assume já um cariz profissional, mais ou menos certo e permanente, em que o número de horas semanal ou mensalmente prestadas é significativo, existe, nem que seja por razões de saúde e segurança do trabalhador no desenvolvimento da atividade principal, o dever de o trabalhador informar a sua empregadora dessa outra profissão ou profissões [chamemos-lhe assim por facilidade de exposição].

No caso dos autos e ainda que a segunda atividade da Autora apenas se evidencie durante cerca de 3 meses e relativamente a atos que não permitem assegurar que queria fazer ou veio a fazer dela uma segunda profissão [secundária], certo é que a recorrida era Tripulante de Cabine e a atividade económica da TAP é o do transporte aéreo de passageiros e mercadorias, onde são conhecidas as exigências acrescidas de segurança e saúde dos respetivos trabalhadores, por referência, designadamente, aos tempos de trabalho e de descanso dos mesmos, o que impunha à Autora que informasse a Ré de que era sua intenção desenvolver a atividade de mediadora imobiliária e de que estava a obter formação para o efeito.

Tal, contudo, não aconteceu, constituindo, nessa medida, a violação de um dever funcional da trabalhadora para com a sua empregadora mas convirá não olvidar que os factos em causa tiveram lugar, nos meses de fevereiro a abril de 2022, quando ocorreu a dita formação e atividade de mediadora [ainda que sem resultados palpáveis, pois a trabalhadora não vendeu nenhum imóvel], sendo certo que a Autora, em alguns desses períodos temporais não voou por se encontrar de baixa por força de um acidente de trabalho e depois por doença natural.

Ora, tendo em atenção o quadro factual descrito e os anos de atividade da recorrida para com a recorrente [durante 17 anos e 10 meses], é manifesto que tal infração disciplinar é de relativa gravidade e não é suscetível, nos termos e para os efeitos do número 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho de 2009, de fundar o despedimento com justa causa promovido pela Ré contra a Autora, por não tornar imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral existente.

Neste contexto, não se pode concluir que era inexigível à ré a manutenção do contrato de trabalho, já que a atuação da autora não é de tal modo grave que se possa ou deva considerar definitivamente quebrada a relação de confiança que constitui uma das bases do contrato. A censura à atuação da autora era devida, mas através de sanção conservatória de entre as previstas pelo art.º 328.º do Código do Trabalho, sendo o despedimento manifestamente desproporcional à gravidade da infração.

Consequentemente, ainda que com fundamento parcialmente diferente, é de confirmar a sentença recorrida ao concluir pela inexistência de justa causa e, consequentemente, pela ilicitude do despedimento da autora, com as consequências ali extraídas.


Disponível aqui.


Assédio Moral

Acórdão do STJ, de 15 de janeiro de 2025

Processo n.º 1066/20.2T8AVR.P1.S1 (revista excecional)

Relator Júlio Gomes


Sumário:

I. Para que exista assédio moral não é necessário que se demonstre a intenção de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;

II. A violação do direito à ocupação efetiva, o esvaziamento de funções, a não participação em reuniões de trabalho, a não prestação de informação relevante e a violação do princípio da igualdade constituem assédio moral.


Destaca-se, ainda (sublinhados nossos)

Como decorre da lei – artigo 29.º n.º 2 do Código do Trabalho – “[e]ntende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Sublinhe-se, antes de mais, que a lei não exige como requisito imprescindível a intenção nociva do empregador, bastando-se com o resultado da conduta, como decorre da letra da lei (“com o objetivo ou o efeito”).

A apreciação da existência de um assédio moral envolve a consideração da conduta do empregador no seu conjunto. Certos comportamentos podem, isoladamente considerados, parecer insignificantes ou até lícitos; mas a sua cumulação pode resultar na criação daquele ambiente “intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

A situação concreta deste trabalhador, que foi objeto de dois despedimentos ilícitos sucessivos e que teve, inclusive, que recorrer aos tribunais para que o empregador cumprisse aquilo a que havia sido condenado (facto 10) impunha, aliás, que o empregador agisse com um particular cuidado, á luz da boa fé, para evitar a criação para este trabalhador de um ambiente que não tivesse as caraterísticas negativas atrás referidas.


Disponível aqui.