Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.04.2025
Processo n.º 1776/20.4T8BCL.G1
Relator Maria Leonor Barroso
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Sumário (excerto):
Constituiu justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo, a falta de registo do contrato, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da actividade para a qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento.
Fundamentação (excertos):
Ora, tal como mencionado na sentença sendo vários os fundamentos invocados, desde logo o incumprimento por parte do clube (ré) da obrigação de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação de futebol é suficientemente grave para determinar a resolução do contrato com justa causa (7º registo 1 - “A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação...”- Lei 54/2017, de 14 de julho (Regime Jurídico do praticante desportivo, doravante RJPD).
Segundo o art. 11º, a, b, d, do RJPD são deveres da entidade empregadora desportiva, em especial: (i) proceder ao registo do contrato de trabalho desportivo ( nos termos do artigo 7º), (ii) proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva, (iii) Permitir que os praticantes participem nos trabalhos de preparação e integrem as seleções ou representações nacionais”
Ora, face à matéria provada, forçoso é concluir que a ré incumpriu a primeira e vital obrigação de registar o contrato desportivo, o que, por inerência, implicou o incumprimento das obrigações de proporcionar ao jogador as condições de participação desportiva e de integrar seleções ou representações nacionais, dado que sem contrato de trabalho registado na federação o autor não tinha condições legais para exercer tais direitos.
Ademais, note-se que “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário.” - no 5 do citado art. 7º. A ré não conseguiu afastou a presunção de culpa que sobre si impendia, como decorre da matéria provada e não provada.
Diga-se, ademais, que também se comprovou que o autor foi afastado do treino com a equipa principal (o art. 11º, b), RJPC onde se consagra o “direito ao treino”).
O clube desportivo (empregador) está sujeito aos deveres genéricos extensíveis a qualquer empregador constantes da lei geral do trabalho, a que que acrescem deveres específicos próprios das relações de trabalho desportivo. Destaca-se o dever de proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades instrumentais da competição desportiva - 11, b), do RJCTPD. O praticante desportivo tem um direito ao trabalho nesta vertente de participação no desporto, o que quer dizer nos treinos e actividades preparatórias da competição, e de o fazer inserido em igualdade e no normal grupo de trabalho, excepto em casos muito específicos de natureza médica (problemas de saúde do jogador ) ou técnica (decisão da equipa relacionadas com estratégia de jogo ou disciplinar) - 11, b), do RJCTPD, 14º, d), CCT, e no regime geral 129º, 1, b), CT.
Se é certo que o jogador apenas tem direito a treinar e não direito a competir/participar nos jogos oficiais, aquele direito ao treino, para ser efectivo, requer a existência de condições e a participação em treino conjunto com os demais jogadores e treinador. Nisto se concretiza o direito a ser treinado, um direito de ocupação efectiva mitigado por não garantir, nem se estender, ao direito a participar nas competições oficiais.
João Leal Amaro (Contrato de Trabalho Desportivo, Almedina, 2019, pág. 72 e 73), discorrendo sobre a existência ou não de um verdadeiro direito de ocupação efectiva a cargo do empregador (11, b., do RJCTPD) oscila, referindo que a norma afirma e desmente, em simultâneo, a sua existência. De todo o modo, o autor conclui que aquele não pode ser entendido como direito a participar na competição desportiva, mas abrange o ciclo pré-competitivo, o direito na participação nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição.
Ora, no caso verifica-se o incumprimento deste dever, competindo à ré a contraprova da existência de uma razão justificativa, mormente lesão física de tal modo grave que impedisse o autor de jogar ou treinar. A ré não provou essa razão (ademais, como se referiu na fundamentação da matéria de facto, o autor após resolver o contrato voltou para o seu clube e jogou duas épocas desportivas).
O incumprimento resultante da falta de pagamento do salário de julho de 2019 (vencido em 5-07) é apenas coadjuvante dos demais referidos fundamentos para a resolução do contrato.
Constituiu justa causa para a resolução do contrato o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva - 23º, 1, d), 3, RJPD.
É o caso, seguramente, da falta de registo do contrato de trabalho desportivo, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da sua função/actividade para o qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento, tanto mais que se trata de um jogador estrangeiro apartado do seu meio.
Outro aspeto muito relevante, ainda que não aflorado no recurso (art.º 24.º, n.º 1 do RJCTD vs art.º 48.º CCT dos Jogadores Profissionais):
O contrato de trabalho desportivo foi celebrado em 15/07/2019 para a época desportiva 2019/2020 (remuneração total de 48.000,00€) e para a época desportiva 2020/2021 (remuneração total de 54.000,00€), com um prémio desportivo de 5.000,00€ em caso de manutenção na Primeira Liga.
O contrato de trabalho foi resolvido com justa causa a 31/08/2019.
Depois da resolução com justa causa, o Jogador regressou à equipa que tinha representado em 2018/2019.
Ora:
O Jogador peticionou o valor global de 107.000,00€ (remunerações das 2 épocas + prémio desportivo) e uma indemnização de danos morais no valor de 10.000,00€.
O Clube defendeu que, caso se viesse a entender que teria de pagar ao Jogador uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa, teriam de ser deduzidas as retribuições auferidas pelo Jogador no exercício da mesma atividade, a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão e até ao termo previsto para o contrato (ou seja, nos termos do art.º 48.º, n.º 1 do CCT)
O Clube foi condenado a pagar a quantia global de 110.000,00€, ou seja, inclui as remunerações das 2 épocas (ou seja, nos termos do art.º 24.º, n.º 1 do RJCTD).