05 junho 2025

Abandono do trabalho vs Despedimento disciplinar (post revisto)

Para ajudar na ponderação quanto à escolha do caminho a seguir (ou sobre o risco de se avançar para o abandono de trabalho):


Ac. do TRE de 07/02/2012, processo n.º 537/10.3TTPTM.E1, relator Correia Pinto (aqui):

Excerto da fundamentação:

Perante os factos provados, nomeadamente os que se deixam antes enunciados, é certo que se demonstra – a ré demonstra – que o autor faltou ao trabalho a partir de 20 de Janeiro de 2010 e, com referência à data de 19 de Março de 2010, por mais de cinquenta dias, sem que se evidencie a existência de uma justificação válida para tal absentismo; nomeadamente quanto a eventual baixa médica determinada pelo acidente de viação, foi informado pela seguradora, por contacto telefónico, que não havia qualquer registo de participação nesse sentido.

Contudo, dos mesmos factos não resulta que a ré não tenha sido informada do(s) motivo(s) da ausência, independentemente da validade e veracidade de tais informações. Tal omissão é contrariada, nomeadamente, pelo contacto telefónico estabelecido em Fevereiro ou Março de 2010.

Em tais circunstâncias, ficou prejudicada a consideração de abandono do trabalho, com os efeitos que constam do artigo 403.º do Código do Trabalho.

Esta conclusão não é prejudicada pela ausência de documentos justificativos ou pelo facto da ré, em diligências realizadas, ter constatado a divergência entre as razões suscitadas pelo autor e a realidade dos factos. A ausência de justificação válida e a constatação da falta de veracidade legitimavam a instauração de procedimento disciplinar ao autor, com eventual despedimento. Contudo, não foi essa a via seguida pela ré. O recurso ao abandono do trabalho nas circunstâncias em que ocorreu, não se verificando os pressupostos legalmente exigidos, determina que a carta remetida pela ré configure despedimento ilícito, porquanto não foi precedido do respectivo procedimento – artigo 381.º do Código do Trabalho.

Sumário:

I- O abandono do trabalho pelo trabalhador e a interpretação de tal atitude face à falta de informação do motivo da ausência, valendo como denúncia (tácita) do contrato de trabalho, assentam numa expressão de vontade do próprio trabalhador que não opera quando é dada uma explicação da ausência.

II- É ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da presunção de abandono do trabalho, onde se inclui a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos e a não recepção de comunicação do motivo da ausência.

III- Não se provando a não recepção de comunicação do motivo da ausência do trabalhador, fica afastada a aplicação daquela presunção, pelo que a cessação do contrato de trabalho operada pelo empregador com fundamento em abandono do trabalho configura despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, já que não foi precedido de processo disciplinar.

IV- Perante a invocação, pelo trabalhador, de factos falsos ou a ausência de justificação, não operando o abandono do trabalho com as implicações previstas no artigo 403.º do Código do Trabalho, à entidade empregadora fica sempre em aberto a possibilidade de instaurar procedimento disciplinar e de proceder ao despedimento do trabalhador, com fundamento em faltas injustificadas.


Ac. do TRL de 14.05.2025, processo n.º 728/23.7T8BRR.L1-4, relator Sérgio Almeida, com voto de vencido (aqui):

Sumário:

I. Não há abandono do trabalho quando o trabalhador não comparece ao trabalho e se encontra ausente há anos por se encontrar em baixa médica, não obstante não justificar as faltas.

II. Incorre em despedimento ilícito o empregador que considera cessado o contrato de trabalho com fundamento em abandono do trabalhador que não se verifica.

III. Sendo, de todo o modo, dever do trabalhador a justificação das suas faltas, a sua conduta há-de ser tida em conta na fixação da indemnização de antiguidade.

Fundamentação (excertos):

É que ao abandono não basta a materialidade da conduta omissiva traduzida na não comparência no local de trabalho; é preciso que tal ausência seja qualificada pela intenção (extintiva) que se deduz dos factos.

Muitos casos há em que inexiste a vontade de pôr fim ao contrato, apesar de existir ausência.

Quando, por exemplo o trabalhador:

a) desconhece onde é o local de trabalho – v.g. após suspensão do contrato ou na sequência de sentença que declarou ilícito o despedimento (ac. STJ de 24.10.2002, Mário Torres; RL, acórdão de 6.2.2, Sarmento Botelho);

b) vai de férias convencido que tal lhe é permitido;

c) está de baixa ou incapacitado por qualquer motivo comunicado ao empregador, mesmo que olvide juntar oportunamente prorrogações de baixa – desde logo atenta a suspensão do contrato passados 30 dias - art.º 296/1, Código do Trabalho (ac. STJ de 10.07.96, Carvalho Pinheiro, RC de 12-02-2009, Fernandes da Silva; RL, ac. de 6.12.2000, Manuela Gomes);

d) aguarda contacto após determinação judicial de reintegração;

e) a entidade patronal o dispensa do dever de assiduidade e não chama ou revê tal situação (RC, 17.02.2002, Serra Leitão; RL. de 22.09.99, Andrade Borges);

f) o empregador recusa receber o atestado médico;

g) a trabalhadora ausenta-se por motivo de nascimento de filho (RP, ac. 9.5.2007, Fernanda Soares);

h) a empregadora manda o trabalhador para casa até lhe ser dada nova ordem, ou indicado local de trabalho, ou até que obtenha “alta” da seguradora ou de outra entidade;

i) é suspenso por decisão judicial em procedimento cautelar movido pela empregadora;

j) não comparece apenas por considerar ter sido despedido (RP. 31.05.99, Machado Silva);

m) não comparece porque foi suspenso pelo empregador em sede disciplinar;

n) tem o contrato de trabalho suspenso (ac. STJ de 16.02.2000, Diniz Nunes; RP 10.02.2003, Sousa Peixoto);

o) está impedido por doença do conhecimento do empregador (ac. STJ de 10.07.1996, Carvalho Pinheiro)5

(...)

inversamente, porém, a mera ocorrência de faltas não basta para que exista abandono.

(...)

Sem prejuízo de o recorrente não ter procedido corretamente ao não enviar as justificações oportunas, certo é que se encontrava há muito tempo ausente por baixa médica, ausência que a R. não ignorava (e em bom rigor nas missivas de 24.3.2022 e de 2.5.2022 a empregadora não demandou a justificação das faltas). Tendo ainda em conta que entre 7 de março de 2022 e 3 de abril de 2023 sobre o A. não recaía a obrigação de se apresentar ao serviço da R., conclui-se que nesse período o trabalhador não incorreu em ausência que se possa qualificar como denúncia tácita do contrato de trabalho.

O que exclui a existência de abandono do trabalho e a correspondente cessação do contrato laboral.

Acresce ainda que o abandono tem presente um animus extintivo do contrato que não se verifica no caso.

Desta sorte, não se acompanha a sentença quando considera que se verificam os pressupostos da figura do abandono do trabalho. Tal não acontece, uma vez que de forma nenhuma se pode afirmar a existência quer de uma ausência do trabalhador susceptível de fundamentar o abandono do trabalho, quer da intenção de não retomar o trabalho (art.º 403/1, CT), porquanto o trabalhador se achava ausente por motivos bem diversos (a sua situação clínica) e que só por si excluem o ânimo extintivo.

*

Encontrando-se o trabalhador na situação de baixa há anos, estava o contrato de trabalho suspenso (art.º 253/4, 294/1 e 296/1, CT).

Ao declarar findo o contrato com a carta datada de 7/02/2023, a ré pôs termo à relação laboral.

O procedimento disciplinar instaurado posteriormente com fundamento em faltas injustificadas não tem, pois, qualquer relevância, na medida em que incidia sobre uma relação já terminada.

E mesmo que tivesse sido instaurado atempadamente, a decisão final pecaria por excessiva, uma vez que a suspensão do contrato de trabalho tornava desproporcionada a sanção não conservativa do vínculo.

Conclui-se deste modo pela existência de um despedimento promovido pela entidade empregadora, o qual, não sendo precedido de procedimento disciplinar e não assentando em justa causa, é necessariamente ilícito.

(...)

i) No que toca à indemnização em substituição da reintegração, conforme opção, o A. presta a sua atividade desde 1.2.1998, o que até ao despedimento perfaz mais de 25 anos de antiguidade.

Auferia o vencimento mensal líquido de 942,42 €.

Deve, porém, ter-se presente que a sua conduta não é isenta de reparos: durante muito tempo não justificou as suas faltas, não obstante dever fazê-lo.

Face aos termos da sua conduta a indemnização de antiguidade, que o A. computa em 25 anos e 27 dias, deverá ser fixada pelo mínimo (15 dias / ano), considerando que o juízo de censura da R. se mostra muito atenuado por aquele comportamento do trabalhador (não deixará de se notar que o pedido do A. nos articulados de fixação da indenização pelo máximo é óbvio e manifestamente infundado e desprovido de fundamento legal).

Considerando o montante retributivo que auferia (942,42 €), fixa-se a indemnização de antiguidade em 13.193,88 €.

(...)

Declaração de Voto

Voto vencida por entender que no caso estão preenchidos os factos base que enformam a presunção enunciada no Art.º 403º/2 do CT sem que o trabalhador tivesse logrado ilidi-la nos termos do disposto no nº 4 do mesmo normativo – não comparência desde 7/03/2022 até 3/04/2023 e nenhuma justificação, não obstante a indagação da R..

Não me parece relevante a circunstância de se ter provado que o trabalhador esteve de baixa desde 8/07/2017 até 2/04/2023 porquanto se desconhece se a mesma era impeditiva da comunicação da ausência e, por outro lado, sendo uma evidência que nessas circunstâncias não tinha obrigação de comparência por o contrato estar suspenso, daí não decorre a não obrigação de justificação. Há, em face dos factos, uma ausência de facto.

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