31 março 2025

Eficácia (não) retroativa da revogação do contrato de trabalho

Sobre a atribuição de eficácia retroativa da revogação do contrato de trabalho (com entendimento de recusa dessa atribuição):

Vd. Joana Vasconcelos, A Revogação do Contrato de Trabalho, Almedina, 2011, pp. 186 e 187 (com referência no texto para outros autores)

 


O Trabalho e o Tempo (Francisco Liberal Fernandes)

O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho

De Francisco Liberal Fernandes, 2018

Disponível, em formato digital, aqui

29 março 2025

Compensação retributiva (Lay off) e contribuições para a Segurança Social

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

De 09/05/2024, processo n.º 00162/21.3BEMDL

Relator Irene Isabel Gomes das Neves

Disponível aqui.


Sumário:

I. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.

II. Nos termos do artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de Trabalho, não é devido pagamento de contribuições a cargo da entidade empregadora sobre os montantes pagos, a título de compensação retributiva aos trabalhadores em situação de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, vulgo lay-off, ao abrigo do regime previsto no Código do Trabalho.


Factos provados (excertos):

6. A Impugnante iniciou no dia 20 de março de 2020, o procedimento de suspensão dos contratos de trabalho da generalidade dos seus trabalhadores (Lay-off), seguindo os trâmites previstos no artigo 298.º e ss. do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro – artºs 35.º e doc 4 da PI e art.º 4.º da contestação;

7. A maioria dos contratos de trabalho que foram abrangidos pelo Lay-off estiveram suspensos desde 16 de Abril de 2020 até 31 de Dezembro de 2020 - artºs 35.º da PI e doc 4; e art.º e art.ºs 4.º e 5.º da contestação;

8. Enquanto estiveram em lay off, os trabalhadores da Impugnante auferiram as compensações retributivas de acordo com o doc 3 da PI, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que referem aos meses de Abril de 2020 a Novembro de 2020;

9. Durante aquele período de oito meses (Abril a Novembro de 2020), a Autora não procedeu ao pagamento das contribuições a cargo da entidade empregadora, relativas aos montantes pagos – este facto retira-se dos art.ºs 44.º e ss da PI e do art.º 6.º da contestação.


Fundamentação da Primeira Instância (excertos):

Ora, no caso dos autos, não vemos uma actividade desenvolvida pelos trabalhadores da Impugnante desde o procedimento de lay off, porque, precisamente, houve uma suspensão dos contratos de trabalho. Sendo certo que compete ao empregador, durante o período de redução ou suspensão, “Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores” – art.º 303, n.º 1, al. b) do CT (sublinhado nosso) -, também é certo que inexistiu actividade desenvolvida pelos trabalhadores da Impugnante, não sendo, por isso, remunerados, mas sim compensados pela situação em que se encontravam. Ora, se os trabalhadores não foram remunerados pela “força de trabalho por eles oferecida” à Impugnante, também não são devidas as contribuições à Segurança Social que aqui se discutem. Pela resolução desta questão fica prejudicado o conhecimento das outras suscitadas pela Impugnante.


Fundamentação da Segunda Instância (excertos):

Assim, cientes de que estamos no âmbito de um procedimento de Lay-Off tradicional ou clássico, e perante os factos assentes, cumpre dar resposta à questão primordial, a qual foi apreciada pelo Tribunal a quo, qual seja, a de saber se no caso do Lay-off convocado pela Recorrida ao abrigo dos artigos 298º e ss. do Código de Trabalho a compensação retributiva paga ao trabalhador suspenso constitui base de incidência contributiva do empregador à segurança social?

(...)

Pelo exposto, seria de revogar a sentença sob recurso, por não os revermos no seu discurso fundamentador in totum.

Mas cumpre prosseguir, pois se bem que este Tribunal ad quem, não se reveja na posição de “retribuição” enquanto prestação efectiva de trabalho em que o Tribunal a quo fundou o seu julgamento, cumpre responder à questão supra formulada, qual seja, se a compensação retributiva paga ao trabalhador suspenso constitui base de incidência contributiva do empregador à segurança social?

Resposta essa, que logra acolhimento na interpretação e aplicação das normas legais do regime Lay-off do Código Trabalho, mais concretamente do seu artigo 303º, que determina quais os “deveres do empregador no período ou redução ou suspensão”.

Preceitua o artigo 303º do Código de Trabalho que;

“Deveres do empregador no período de redução ou suspensão

1— Durante o período de redução ou suspensão o empregador deve:

a)

b) Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores;

(…)” (sublinhado nosso)

E, o artigo 304º, do mesmo diploma, referindo-se ao trabalhador determina que:

“Deveres do trabalhador no período de redução ou suspensão

1 — Durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador deve:

a) Pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva;

(...) ". (sublinhado nosso).

Como interpretar o artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de trabalho?

(...)

Expostas estas ideias genéricas sobre a interpretação das normas passamos a apurar o sentido da norma em questão: “Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores.”

Vamos começar pela interpretação literal, pois é o primeiro estádio da interpretação, pois que, o texto da lei forma o substrato de que se deve partir e em que deve repousar.

O termo utilizado é tão só “retribuição”, o que por si só numa interpretação literal, seriamos levados a crer que apenas pretenderia atender ao conceito de retribuição, o que nos reconduz para o supra exposto e, nos permite, considerar aqui o mesmo com referência a sua expressão mais lata de “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” e, ela contemplaria a “compensação retributiva”.

Razão pela qual cumpre, desde logo atentar ao seu elemento sistemático, o qual compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo, mormente o seu lugar sistemático.

É que, no artigo 304º, em referência aos deveres do trabalhador, o legislador foi mais longe e explicito ao preceituar que “Pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva.”, o que nos impõem irmos mais longe e alcançar se perante este elemento diferenciador na utilização dos termos, foi propósito do legislador afastar o pagamento de contribuições por parte do empregador no que concerne à compensação retributiva, limitando a mesma a “retribuição”, pois que na contraposição dos dois artigos em referência concluímos que retribuição e compensação retributiva, revestem realidades com tratamentos distintos. Se, assim não fosse, o legislador no artigo 304º, com referência ao trabalhador mantinha a mesma redacção do artigo 303º, aludindo tão só à “retribuição auferida”.

Para tanto, cumpre recorrer ao elemento histórico, a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios e, ao elemento racional ou teleológico, que consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Numa breve referência aos sucessivos preceitos legais do regime jurídico do Lay-off, desde a previsão legal no Dec. Lei n° 398/83, de 2 de novembro até ao atual Código do Trabalho, centrando-nos no dever de pagamento de contribuições para a segurança social a cargo do empregador, com ênfase na terminologia adoptada pelo legislador nas sucessivas disposições legais, temos que:

a) No âmbito do regime introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Dec. Lei n° 398/83, estabelecia o “Artigo 7. °

(Obrigações dos trabalhadores)

1— Durante o período de redução ou suspensão, constituem obrigações dos trabalhadores:

a) Pagar, mediante desconto, contribuições para a segurança social com base na retribuição efetivamente auferida, seja a título de remuneração por trabalho prestado, seja a título de compensação salarial;

(…)”.

E o "Artigo 10. °

(Obrigações da entidade empregadora)

7 — Durante o período de redução ou suspensão a entidade empregadora fica obrigada a:

a) (..);

b) Efetuar pontualmente o pagamento das contribuições para a segurança social referentes à retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador,'

(..) ". (sublinhados nossos)

b) No mesmo sentido, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de agosto, estipulava nos artigos 342° e 345° o seguinte:

"Artigo 342. °

Deveres do empregador

1 — Durante o período de redução ou suspensão o empregador fica obrigado a:

(…);

b) Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social referentes à retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador;

(…)”

"Artigo 345.°

Deveres do trabalhador

1— Durante o período de redução ou suspensão, constituem deveres do trabalhador:

a) Pagar, mediante desconto, contribuições para a segurança social com base na retribuição efetivamente auferida, seja a título de contrapartida do trabalho prestado, seja a título de compensação retributiva;

(...)". (sublinhados nossos)

Em conformidade, com as disposições legais transcritas, é manifesto que da parte dos deveres do trabalhador o regime da legal do Lay-off permaneceu sempre incólume na concretização e manifestação expressa que da parte do trabalhador existe a obrigação de pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva, nos casos de redução ou suspensão do contrato de trabalho.

No que tange ao empregador, apesar de alterar a expressão utilizada, vejamos que antes se aludia a “retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador” para na versão do Código de Trabalho de 2003, referir “sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores”, certo é que nunca foi estabelecida qualquer referência àquela obrigação recair sobre a compensação retributiva, que atento o elemento histórico e sistemático, nos leva a concluir que essa foi a vontade expressa do legislador, que complementada pela literal decorrente do confronto das redacções diferenciadas entre empregador e trabalhador, pretendeu excluir daquela contribuição para a segurança social por parte do empregador os valores auferidos pelo trabalhador a título de compensação retributiva.

E, de encontro ao que acabamos de concluir, tome-se em linha de conta o teor do Despacho Conjunto do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do Secretário de Estado da Segurança Social, de 25.06.1990, publicado no Diário da República, II Série, de 11-07-1990, que a pretexto de uniformizar aplicação do artigo 10º do Decreto lei n.º 398/83, determinou que “"As contribuições a pagar à Segurança Social pelas entidades empregadoras em regime de lay-off são referentes, nos termos da al. b) do n.° 1 do art. 10.°, à retribuição efectivamente paga pelas mesmas entidades empregadoras, ou seja, ao valor da retribuição paga nos termos da al. a) do n.° 1 ou do n.° 2 do artigo 6.°, incluindo a compensação salarial, em caso de redução do período normal de trabalho, ou ao valor da compensação salarial, em caso de suspensão do contrato de trabalho.". Pois, se dúvidas se travavam nos tempos idos de 1990, não se compreende porque o legislador em 2003 e 2009, não transcreveu para os normativos 342º e, actualmente 303º do Código de Trabalho, respectivamente, a inclusão da compensação retributiva para o empregador, à luz do preceito sobre os deveres do trabalhador e do Despacho Conjunto referenciado.

Com efeito, de acordo com os sucessivos regimes jurídicos aplicáveis, reforçado com as dúvidas que existiam e levaram a aclaração contida no referido Despacho conjunto de 1990, parece-nos pacífico que o legislador, ao alterar a redação àquele preceito legal em 2009, pretendeu, em ultima ratio, manter o sentido literal do artigo em causa atenta a sua inserção sistemática, pois que perante o teor do emanado naquele Despacho optou por não verter o seu conteúdo para o artigo 303º, para o que bastava aderir a expressão “seja a título de compensação retributiva” utilizada no artigo 304º.

Posto isto, este Tribunal ad quem na melhor interpretação e aplicação do artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de Trabalho, considera que a compensação retributiva paga ao trabalhador não constitui base de incidência contributiva para efeitos de segurança social na parte referente ao pagamento de contribuições a cargo da entidade empregadora.

Por todo o exposto, somos de negar provimentos ao recurso, e manter o sentido da decisão recorrida com a presente fundamentação.

Resolução com justa causa com aviso prévio

Jurisprudência

Ac. do STJ, de 06.06.2007, processo n.º 07S919, relator Sousa Peixoto, disponível aqui.

Sumário:

2. A lei não exige que o trabalhador, ao resolver o contrato com invocação de justa causa, atribua à rescisão efeitos imediatos. 

3. O facto de ele ter dado um aviso prévio de 60 dias não é suficiente, só por si, para considerar que a resolução foi operada sem justa causa. 

Factos provados (excerto):

- por sua vez, a autora respondeu à ré nos termos da carta de fls. 36, reiterando a posição que já havia assumido na carta de 8 de Setembro e, posteriormente, em 14 de Outubro de 2004, enviou à ré a carta de fls. 37, comunicando-lhe que rescindia o contrato de trabalho com justa causa, pelo facto da ré lhe ter baixado a categoria profissional e a retribuição, mas dando à ré um aviso prévio de 60 dias;

Fundamentação (excertos):

(...)

as instâncias não tiveram dúvidas em considerar que a ré tinha baixado a categoria profissional da autora e diminuído também a sua retribuição. Entenderam, todavia, que, in casu, a conduta ilícita da ré, apesar de ser objectivamente grave, não tinha tornado imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral, pelo facto da autora ter dado 60 dias de aviso prévio.

(...)

Na esteira do que já havia sido dito na sentença da 1.ª instância, na decisão ora recorrida afirmou-se que havia uma certa contradição na conduta assumida pela autora, dado que, por um lado, invocara a existência de justa causa para fazer cessar o contrato de trabalho, mas, por outro lado, assumira, objectivamente, uma postura em que, ela própria não confere ao comportamento da ré uma gravidade tal que seja determinante de uma impossibilidade de manutenção do contrato. E foi por essa razão que se decidiu pela inexistência da justa causa.

A autora discorda e, desde já adiantamos, que tem inteira razão.

(...)

Dúvidas não temos, pois, em considerar que a conduta da ré assume gravidade mais do que suficiente para integrar o conceito de justa causa.

Como já foi referido, na decisão recorrida só assim não se entendeu, por se ter considerado incompatível a invocação da justa causa com o facto de a autora não ter rescindido o contrato com efeitos imediatos e ter dado à ré um aviso prévio de 60 dias. Segundo a Relação, ao dar o aviso prévio, a própria autora reconheceu que a conduta da ré não tornava a subsistência da relação de trabalho imediata e praticamente impossível.

Discordamos de tal entendimento, por três razões.

Em primeiro lugar, porque a lei não diz que, ocorrendo justa causa, o trabalhador tem de fazer cessar de imediato o contrato. Limita-se a dizer que, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.

Em segundo lugar, porque da própria lei resulta o contrário, uma vez que ao estipular que a declaração de resolução pode ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos integradores da justa causa (art.º 442.º, n.º 1), acaba por reconhecer que a resolução com invocação de justa causa não tem de ser feita de forma imediata. O trabalhador tem 30 dias para averiguar se a conduta do empregador constitui, ou não, justa causa de resolução do contrato e para decidir se opta, ou não, por exercer o correspondente direito.

Poderia dizer-se aquele prazo de 30 dias se destina apenas a isso e que, uma vez feita a opção pela resolução do contrato, o trabalhador deve exercê-lo com efeitos imediatos, mas, como já foi dito, tal exigência não consta da lei e a concessão do aviso prévio justifica-se por uma questão de cautela, para que o trabalhador não venha a correr o risco de ser condenado a pagar uma indemnização ao empregador, por não lograr provar em juízo a justa causa invocada (vide art.º 446.º do C.T.).

Em terceiro lugar, por entendermos que a declaração de aviso prévio, no contexto em que foi inserida, não pode valer com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida, qual seja o de que a autora não considerou a conduta da ré como susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. À luz do disposto no n.º 1 do art.º 236.º do C. C., não seria esse o sentido que um declaratário normal dela teria extraído. Na verdade, uma tal interpretação faria tábua rasa do restante teor da carta de resolução, onde a autora expressamente comunica à ré que “rescinde com justa causa o dito contrato”.

Concluindo, diremos que o facto da autora ter dado um aviso prévio de 60 dias não é, só por si suficiente, para concluir pela inexistência da justa causa. Só assim não seria, como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta se o prazo do aviso prévio fosse demasiado longo, o que no caso não acontece.


Doutrina 

João Leal Amado (excerto):

Poderá o trabalhador resolver o contrato, invocando justa causa (p. ex., baixa de categoria ou diminuição da retribuição), mas dando aviso prévio à entidade empregadora? Ou será isto tentar conciliar o inconciliável? Do ponto de vista do trabalhador, proceder deste modo faz sentido como estratégia cautelar, prevenindo a possibilidade de a justa causa não se provar e assim evitando uma subsequente condenação sua a indemnizar o empregador. Esta curiosa questão já chegou ao STJ, que, em Acórdão de 6-6-2007 (Sousa Peixoto), decidiu - a meu ver bem - que a lei não exige que o trabalhador, ao resolver o contrato com invocação de justa causa, atribua à resolução efeitos imediatos (...).

[Referência recente - Direito do Trabalho - Relação Individual (obra coletiva), nota de rodapé 408, p. 1116. 

Primeira referência - Extinção do contrato por iniciativa do trabalhador: resolução com aviso prévio? (Comentário ao Acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Junho de 2007), Anotação de João Leal Amado, na RMP n.º 118, Abr - Jun 2009]


25 março 2025

Formação profissional - IRS e Segurança Social

Contribuições para a Segurança Social

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/09/2024

Processo n.º 723/19.0BELRA

Relator Vital Lopes


Sumário:
I - Não estão sujeitas à base contributiva da segurança social as verbas que a entidade empregadora está obrigada a liquidar ao trabalhador, por horas de formação não ministrada, aquando da cessação do contrato de trabalho (artigos 131/2, 132.º e 134.º, do Código do Trabalho).
II - O crédito de horas para formação não confere ao trabalhador o direito a qualquer retribuição adicional, apenas significa que o trabalhador pode escolher a formação que pretende e a entidade empregadora está obrigada a suportar essa formação, não constituindo, na pendência da relação laboral, qualquer prestação “pecuniária ou em espécie” sujeita à base contributiva.

Fundamentação:

Visto o fundamental do regime legal e a leitura que dele faz a autorizada jurisprudência laboral, resulta da matéria de facto que as prestações de que agora tratamos dizem respeito a créditos de horas pagos aos trabalhadores aquando da cessação do contrato de trabalho, isto é, “horas de formação que a impugnante não assegurou aos trabalhadores por forma a dar cumprimento ao direito individual de formação imposto pelo Código do Trabalho, que determina um número anual mínimo de horas de formação” (cf. pontos E) e U) do probatório).

Como vimos, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber: (i) A retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado que já se tenha vencido ou que se vence no ano da cessação; e (ii) Ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação que ainda não tenha prescrito.

Ora, a retribuição que a entidade empregadora tem de liquidar por horas de formação profissional que não tenha ministrado ao trabalhador aquando da cessação do contrato de trabalho, respeita a uma realidade (número mínimo de horas de formação) que não se insere no âmbito da aplicação do disposto nos artigos 44.º e 46.º, n.ºs 1 e 2, do CRC, como pretende a Recorrente.

Com efeito, só faz sentido que a retribuição paga pela entidade empregadora por horas de formação não ministradas ao trabalhador aquando da cessação do contrato de trabalho esteja sujeita à base de incidência contributiva quando respeite a realidades que já o estariam em função do exercício da actividade profissional como prestações pecuniárias ou em espécie.

Ora, o crédito de horas para formação que se vence na esfera jurídica do trabalhador (art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, do CT) não constitui prestação “pecuniária ou em espécie” que se compreenda na norma de incidência contributiva do art.º 46.º, n.º 1 e 2 do CRC.

Cremos que a leitura que o Recorrente propugna, assente na ideia expressada no ponto G) das doutas conclusões do recurso, de que “o direito a formação não ministrada ao trabalhador, se converte em crédito de horas, o qual, por sua vez, se transformará em retribuição que o trabalhador tem direito a receber”, não tem respaldo nos preceitos legais aplicáveis, desde logo porque o crédito de horas de formação não confere direito a qualquer retribuição adicional, apenas significa que o trabalhador pode, unilateralmente, vir a escolher a formação que pretende e a entidade empregadora está obrigada a pagar essa formação (art.º 132.º, n.ºs 2 e 3, do CT), o que resulta objectivamente impossível cessando a relação laboral.

É claro que não prevendo a lei, como prevê, uma retribuição pelas horas de formação não ministradas (art.º 131/2 do CT), o trabalhador sairia prejudicado e a entidade empregadora beneficiada porque o trabalhador não seria compensado pelas 35 horas de trabalho prestado destinadas à formação que não lhe foi assegurada pela entidade empregadora.

Neste modo de ver – que é o nosso e converge com o da sentença recorrida – a designada retribuição que a entidade empregadora está obrigada a liquidar ao trabalhador por horas de formação não ministrada aquando da cessação de trabalho, assume natureza compensatória do incumprimento das horas de formação que devia assegurar, e não assegurou, ao trabalhador (e de que este não beneficiou), e as verbas com esta natureza (não retributiva) não estão, em regra, abrangidas na base de incidência contributiva delimitada no art.º 46.º do CRC, como propugna o Recorrente.


Disponível aqui.


IRS

Parecer técnico da OCC, de 18 de março de 2025:

No que se refere ao valor da formação pago por crédito de formação no âmbito da cessação do contrato de trabalho, é sujeito a tributação na categoria A de IRS nos termos gerais não sendo considerado como valor de indemnização por cessação do contrato de trabalho para efeitos do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS.
Face a esta disposição, a entidade empregadora terá de incluir nas suas DMR os montantes dos pagamentos referente às horas de formação no respetivo mês do pagamento, com o Código A - Rendimentos do trabalho dependente sujeitos (exceto os referidos com os códigos A2 a A5 - anos de 2013 a 2018, ou com os códigos A2, A3, A4 e A61 a A67, para anos de 2019 e seguintes, ou com o código A68 para anos de 2020 e seguintes).

Disponível aqui

24 março 2025

Despedimento ilícito e subsídio de refeição

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/07/2014

Processo n.º 40/13.0TTBRG.P1

Relator Paula Leal de Carvalho


Sumário:

III - O subsídio de refeição, atento o disposto no art. 260º, nºs 1 e 2, do CT/2009 não integra o conceito de retribuição para efeitos do previsto no art. 390º, nº 1, do citado Código.


Voto de vencido (de Fernanda Soares):

O despedimento determina a cessação imediata do contrato de trabalho. Mas sendo o mesmo declarado ilícito o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – artigo 390º, nº1 do CT/2009. Ou seja, declarada a ilicitude do despedimento tudo se passa como se o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido sendo certo que o trabalhador só não prestou trabalho por força do despedimento de que foi alvo [se tivesse prestado trabalho teria recebido o respectivo subsídio de refeição].

Assim sendo, e ressalvando sempre melhor opinião, não é pelo facto de o subsídio de refeição não fazer parte da retribuição em sentido jurídico que conduz à sua não atribuição aos aqui trabalhadores, na medida em que não é essa a «questão» em discussão, mas antes quais os efeitos da declaração da ilicitude do despedimento.

E como atrás referido, um dos efeitos da ilicitude do despedimento consiste na obrigação do empregador proceder ao cumprimento da obrigação retributiva que sempre cumpriu até à data em que procedeu ao despedimento do trabalhador. Ora, se o empregador sempre pagou o subsídio de refeição ao trabalhador não se vê como é que o não deva fazer aquando da declaração da ilicitude do despedimento, já que está obrigado a repor a situação em que o trabalhador se encontrava antes de ser despedido.


Disponível aqui.