29 março 2025

Resolução com justa causa com aviso prévio

Jurisprudência

Ac. do STJ, de 06.06.2007, processo n.º 07S919, relator Sousa Peixoto, disponível aqui.

Sumário:

2. A lei não exige que o trabalhador, ao resolver o contrato com invocação de justa causa, atribua à rescisão efeitos imediatos. 

3. O facto de ele ter dado um aviso prévio de 60 dias não é suficiente, só por si, para considerar que a resolução foi operada sem justa causa. 

Factos provados (excerto):

- por sua vez, a autora respondeu à ré nos termos da carta de fls. 36, reiterando a posição que já havia assumido na carta de 8 de Setembro e, posteriormente, em 14 de Outubro de 2004, enviou à ré a carta de fls. 37, comunicando-lhe que rescindia o contrato de trabalho com justa causa, pelo facto da ré lhe ter baixado a categoria profissional e a retribuição, mas dando à ré um aviso prévio de 60 dias;

Fundamentação (excertos):

(...)

as instâncias não tiveram dúvidas em considerar que a ré tinha baixado a categoria profissional da autora e diminuído também a sua retribuição. Entenderam, todavia, que, in casu, a conduta ilícita da ré, apesar de ser objectivamente grave, não tinha tornado imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral, pelo facto da autora ter dado 60 dias de aviso prévio.

(...)

Na esteira do que já havia sido dito na sentença da 1.ª instância, na decisão ora recorrida afirmou-se que havia uma certa contradição na conduta assumida pela autora, dado que, por um lado, invocara a existência de justa causa para fazer cessar o contrato de trabalho, mas, por outro lado, assumira, objectivamente, uma postura em que, ela própria não confere ao comportamento da ré uma gravidade tal que seja determinante de uma impossibilidade de manutenção do contrato. E foi por essa razão que se decidiu pela inexistência da justa causa.

A autora discorda e, desde já adiantamos, que tem inteira razão.

(...)

Dúvidas não temos, pois, em considerar que a conduta da ré assume gravidade mais do que suficiente para integrar o conceito de justa causa.

Como já foi referido, na decisão recorrida só assim não se entendeu, por se ter considerado incompatível a invocação da justa causa com o facto de a autora não ter rescindido o contrato com efeitos imediatos e ter dado à ré um aviso prévio de 60 dias. Segundo a Relação, ao dar o aviso prévio, a própria autora reconheceu que a conduta da ré não tornava a subsistência da relação de trabalho imediata e praticamente impossível.

Discordamos de tal entendimento, por três razões.

Em primeiro lugar, porque a lei não diz que, ocorrendo justa causa, o trabalhador tem de fazer cessar de imediato o contrato. Limita-se a dizer que, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.

Em segundo lugar, porque da própria lei resulta o contrário, uma vez que ao estipular que a declaração de resolução pode ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos integradores da justa causa (art.º 442.º, n.º 1), acaba por reconhecer que a resolução com invocação de justa causa não tem de ser feita de forma imediata. O trabalhador tem 30 dias para averiguar se a conduta do empregador constitui, ou não, justa causa de resolução do contrato e para decidir se opta, ou não, por exercer o correspondente direito.

Poderia dizer-se aquele prazo de 30 dias se destina apenas a isso e que, uma vez feita a opção pela resolução do contrato, o trabalhador deve exercê-lo com efeitos imediatos, mas, como já foi dito, tal exigência não consta da lei e a concessão do aviso prévio justifica-se por uma questão de cautela, para que o trabalhador não venha a correr o risco de ser condenado a pagar uma indemnização ao empregador, por não lograr provar em juízo a justa causa invocada (vide art.º 446.º do C.T.).

Em terceiro lugar, por entendermos que a declaração de aviso prévio, no contexto em que foi inserida, não pode valer com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida, qual seja o de que a autora não considerou a conduta da ré como susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. À luz do disposto no n.º 1 do art.º 236.º do C. C., não seria esse o sentido que um declaratário normal dela teria extraído. Na verdade, uma tal interpretação faria tábua rasa do restante teor da carta de resolução, onde a autora expressamente comunica à ré que “rescinde com justa causa o dito contrato”.

Concluindo, diremos que o facto da autora ter dado um aviso prévio de 60 dias não é, só por si suficiente, para concluir pela inexistência da justa causa. Só assim não seria, como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta se o prazo do aviso prévio fosse demasiado longo, o que no caso não acontece.


Doutrina 

João Leal Amado (excerto):

Poderá o trabalhador resolver o contrato, invocando justa causa (p. ex., baixa de categoria ou diminuição da retribuição), mas dando aviso prévio à entidade empregadora? Ou será isto tentar conciliar o inconciliável? Do ponto de vista do trabalhador, proceder deste modo faz sentido como estratégia cautelar, prevenindo a possibilidade de a justa causa não se provar e assim evitando uma subsequente condenação sua a indemnizar o empregador. Esta curiosa questão já chegou ao STJ, que, em Acórdão de 6-6-2007 (Sousa Peixoto), decidiu - a meu ver bem - que a lei não exige que o trabalhador, ao resolver o contrato com invocação de justa causa, atribua à resolução efeitos imediatos (...).

[Referência recente - Direito do Trabalho - Relação Individual (obra coletiva), nota de rodapé 408, p. 1116. 

Primeira referência - Extinção do contrato por iniciativa do trabalhador: resolução com aviso prévio? (Comentário ao Acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Junho de 2007), Anotação de João Leal Amado, na RMP n.º 118, Abr - Jun 2009]


Sem comentários:

Enviar um comentário