27 dezembro 2024

Interrupção da prescrição e Citação Ficta

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
De 8/04/2021
Processo n.º 2371/19.6T8VRL.G1
Relator Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso

Sumário:
«(...)
II - A citação ficta (323, 2, CC) opera sempre que concorram dois requisitos fundamentais: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção (ii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
III- Se à propositura da acção sobrevir período de férias judiciais, tal facto, por estranho à conduta do autor, não lhe pode ser imputado, antes resultando das regras próprias da organização de serviços e de orgânica judiciária. Ademais, a citação é um acto que se pratica durante as férias judiciais (137º CPC).
IV- A citação prévia ou urgente (561º CPC) é um mecanismo distinto da citação ficta (323º, 2, CC). Que o titular do direito dispõe para acautelar a prescrição, especialmente pertinente caso entre a propositura da acção e a data de prescrição medeiem menos de 5 dias, situação em que não opera a referida citação ficta.»

Destaco ainda os seguintes excertos:
«Na decisão recorrida considerou-se que:
“…como a acção foi intentada no decurso das férias judiciais apenas podemos considerar a data de 04/01/2020 como a sua data de interposição…”

Concluindo-se que:
”…iniciando-se a contagem do prazo prescricional em 02/01/2019, este terminou em 03/01/2020, logo o período de 5 dias previsto no nº 2 do art. 323º do Cód. Civil, nem sequer se iniciou, dado que à data da interposição – 04/01/2020 – o prazo prescricional já havia decorrido”.

Contudo, a instância inicia-se pela propositura da acção com a apresentação da petição inicial (2 por via electrónica, valendo como data da prática do acto o da respectiva expedição - 144º e 259, CPC.
Assim, é totalmente destituído de apoio legal a afirmação de que a acção se considera intentada em 4-01-2020, quando a petição inicial foi expedida via electrónica em 27-12-2019 (e aliás recebida nesse dia, conforme Citius), sendo indiferente para o efeito que estejam a correr as férias judiciais.
A discussão que tem ocorrido na jurisprudência é outra e que em nada se relaciona com a data em que a acção se considera proposta, claramente definida na lei.
A questão relaciona-se antes com a possibilidade de transferir o termo do prazo para o exercício do direito para o 1º dia útil, quando aquele termine em férias judiciais (como acontece nos autos, terminando em 3-01-2020).
A jurisprudência tem-se divide-se sobre a questão e, portanto, se é ou não de aplicar o disposto no artigo 279º, e), por remissão do artigo 296º CC.
(...)

Não precisamos sequer de tomar partido nesta questão, pese embora, se acolhida a tese de que o prazo se transfere para o 1º dia útil de abertura dos tribunais, o autor veria estendido o prazo para exercer o seu direito até 6-01-2020.
Contudo, sendo a petição inicial apresentada em 27-12-19, estando respeitada a antecedência legal mínima de cinco dias relativamente ao último dia do prazo (3-01-20) ainda que coincidente com período de férias judiciais, tem-se a prescrição por interrompida sem necessidade de extensão de prazo que não é questão jurisprudencialmente pacífica- 323º, 2, CC.
(...)

Os referidos cinco dias são o tempo que o legislador considera suficientes para que se faça a citação. Caso não se efectue nesse espaço temporal, ficciona-se a mesma e interrompe-se a prescrição.
É consensual na doutrina e jurisprudência que, sendo a citação oficiosa a cargo da secretaria e tendo a propositura da acção implícito o requerimento de citação, a simples apresentação da petição inicial integra o conceito de “ter sido requerida”, sem necessidade de qualquer outra especial menção - Antunes varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º ed., Coimbra editora, p. 276; António Santos Abrantes Geraldes, CPC anotado, Vol. I, Almedina, p. 626; José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 4ª ed., p. 90; ac. STJ de 17-03-2010, RC de 25-05-2018, www.dgsi.pt.
Note-se que a interrupção da prescrição decorridos que estejam 5 dias após a entrada da petição inicial sem que se faça a citação, não depende de pedido de citação prévia ou urgente por banda da ré. Este é outro mecanismo de que o titular do direito dispõe para acautelar a prescrição. Que só é necessário caso entre a propositura da acção e a data de prescrição medeiem menos de 5 dias, situação em que não opera a referida citação ficta. Trata-se de dar ao credor outra possibilidade de interromper a prescrição (a par da notificação judicial avulsa) requerendo que a citação se faça com urgência e com precedência sobre outros actos da secretaria.
(...)

O autor não recorreu ao pedido de citação urgente. Ao contrário do que parece entender a ré, não precisava de o fazer. O autor intentou a acção 6 dias antes do final do prazo, pelo que a prescrição se tem por interrompida em 2-01-2010, portanto ainda em tempo.
A jurisprudência tem assinalada que a citação ficta (323º, 2, CC) opera sempre que concorram dois requisitos fundamentais (3): (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção (ii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
Em particular quanto a este segundo requisito entende-se que o juízo de culpa tem de ser formulado mediante a imputação ao requerente de actos ou omissões que não devia ter cometido e que se apresentem como condição necessária e adequada à produção do resultado traduzido na falta de citação no prazo de cinco dias depois de requerida. Assim, a inobservância de lei pelo autor terá de ser a causa do retardamento da citação para além dos cinco dias - RG de 15-02-2018, wwww.dgsi.pt.
Tem sido considerado pela jurisprudência, mormente do STJ, que se à propositura da acção sobrevir período de férias judiciais, tal facto, por estranho à conduta do autor, não lhe pode ser imputado, antes resultando das regras próprias da organização de serviços e orgânica judiciária. Tanto mais que as citações podem ser efectuada em período de férias- 137º, 2, CPC.»

Disponível em:

Sem comentários:

Enviar um comentário