10 agosto 2025

Férias judiciais e o prazo dilatório de 3 dias úteis de multa

Acórdão do STJ, de 06.05.2011, processo n.º 566/09.0TBBJA.E1-A.S1, relator Lopes do Rego

Sumário:

2. Das disposições conjugadas dos arts. 143º e 144º do CPC extrai-se a regra segundo a qual, fora do âmbito da tutela urgente, não se praticam actos processuais ( que não sejam citações ou notificações) durante o período das férias judiciais, nem correm, durante elas, os respectivos prazos, que se suspendem durante a respectiva duração – equiparando-se, deste modo, em regra, as férias judiciais aos dias em que os tribunais se encontram encerrados.

3. Tal regra é aplicável ao prazo adicional para, mediante o pagamento de multa, a parte praticar o acto nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo peremptório a que estava sujeita, suspendendo-se esse prazo, se estivermos fora do domínio da tutela urgente, durante o período de férias.


04 agosto 2025

O doente oncológico e os seus direitos no trabalho - podcast Dois de Conversa sobre o Cancro (Liga Portuguesa Contra o Cancro)

Disponível aqui.

[Também se fala sobre os direitos dos pais ou avós trabalhadores de menores com cancro]

Despedimento disciplinar - gravação CCTV; subtração de bens

Ac. do TRL, de 18.06.2025, processo n.º 4915/23.0T8LRS.L1-4, relator Sérgio Almeida, disponível aqui.

Destaco (excertos):

Sobre as gravações utilizadas para fundamentar o despedimento:

A autorização da CNPD, ou mesmo a notificação desta, actualmente não é necessária, uma vez que o regulamento europeu de proteção de dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016, em vigor à data dos factos) não o exige.


Sobre a justa causa

É pacífico que a subtração de bens do empregador constitui motivo de despedimento, independentemente do seu valor e da conduta, porventura até aí isenta de motivos de censura, do trabalhador. 

03 agosto 2025

Tramitação do processo disciplinar: várias questões

Ac. do TRG, de 05.06.2025, processo n.º 5107/24.6T8VNF-C.G1, relator Antero Veiga, disponível aqui.


Um acórdão muito interessante, que aborda várias questões da tramitação do processo disciplinar. 

Destaco 3 pontos de partida:

1. O trabalhador esteve em suspensão preventiva 90 dias sem receber a nota de culpa;

2. O trabalhador não foi autorizado a fazer qualquer tipo de cópia ou reprodução do processo disciplinar, o qual tinha mais de 330 folhas;

3. (Parece haver) pluralidade de empregadores.


Sumário:

 - A circunstância de o trabalhador ter sido preventivamente suspenso, no âmbito do procedimento disciplinar, nos termos do nº 2 do artigo 354º do CT, não interfere com os prazos a cumprir no procedimento prévio de inquérito, relevando o incumprimento do prazo do artigo 354º, 2 do CT, apenas ao nível do incumprimento das obrigações contratuais – violação do dever de ocupação efetiva -. [Nota ICB: Ainda que irrelevante para o caso, o PD foi feito com a redação atual do 354.º, ou seja, pós-agenda do trabalho digno, que introduziu o n.º 3 - contraordenação grave] 

- Assim, não obsta ao efeito interruptivo do artigo 352º do CT, o facto de a notificação da nota de culpa ocorrer após o prazo estipulado no artigo 354º, 2 do CT, desde que essa notificação ocorra nos 30 dias após o termo do procedimento prévio, e se mostrem preenchidos os demais requisitos do artigo 352º.

- Ao nível do procedimento disciplinar laboral, as causas de invalidade do procedimento, que implicam a ilicitude deste, são as taxativamente fixadas na lei.

- O direito de consulta do processo disciplinar não abrange, em principio, a obrigação de serem facultadas cópias.

- O instrutor de PD não tem que juntar a este um “mail” enviado por parte estranha ao processo, por iniciativa própria, com a sua posição pessoal, sem que qualquer dos interessados ou o instrutor, o tenham oferecido ou solicitado, como meio de prova.   

02 agosto 2025

Justa causa de resolução - exemplo de carta sem indicação sucinta dos factos que a justificam

Exemplo:

"(…) ..., 05 de Janeiro de 2024. 

Assunto: Resolução do Contrato com Justa Causa. 

Exmos Senhores, 

Venho Comunicar a imediata resolução, com justa causa do contrato de trabalho celebrado no dia 15 de Outubro de 2000, nos termos do artigo 394º., nº. 1 e nº. 2, alíneas d) e e) do Código de Trabalho. Por motivo de acidente de trabalho quedei-me com uma incapacidade parcial permanente e deixei de estar apto para as funções que desempenhava, após a baixa a entidade patronal não acautelou a minha reintegração tendo em conta a minha incapacidade e fui colocado a carregar malas que agravaram ainda mais os problemas. Logo após um dia de trabalho senti-me automaticamente incapacitado para realizar as tarefas a mim adstritas e fui mandado para casa de baixa, recebendo um valor inferior ao que teria direito a receber, encontrando-me apto para realizar várias tarefas que são desempenhadas por outros trabalhadores da empresa. Durante vários anos tenho sido impedido de realizar várias tarefas laborais por vontade exclusiva da entidade patronal. Determinando a entidade patronal que seja sujeito a várias baixas sistemáticas pelo mesmo motivo, não procurando tendo em conta a minha capacidade produtiva para o desempenho de várias tarefas nomeadamente de organização dos próprios trabalhos realizados pela empresa, preferindo trabalhadores precários mais jovens, tendo a empresa promovido o despedimento de vários colegas e optando no que a mim concerne em empurrar uma pessoa que se julga ainda produtiva para uma situação de inércia profissional e pessoal impossibilitando o desenvolvimento do trabalhador impossibilitando a obtenção de diuturnidades, consolidação e aumento da carreira e consequência de aumento da retribuição. A colocação sistemática do trabalhador em baixa médica além de esforçar os cofres da Segurança Social do qual deveria ser tratado conforme dispõe a lei oi seja reintegração do trabalhador na tarefa adequada à sua situação. O trabalhador como eu vendo a sua força de trabalho em prol das satisfações das necessidades estatais, essa venda num estado social não pode ser desprovido de regras de funcionamento sociais e adequadas ao trabalhador enquanto pessoa. Vossas ex. enquanto entidade patronal violaram grosseiramente as normas jurídicas pelo que deverão ser responsabilizado nos termos do artigo nº. 58 da Constituição da República pelo despedimento justa causa que ocorre em virtude de a não colocação do trabalhador na tarefa adequada e vem assim por quanto não assegura a realização efetiva do trabalho o que determina sequelas graves ao trabalhador considerando-se o mesmo com uma idade que ainda permite trabalhar e vê-se confrontado com a inércia da qual também é ilegitimamente provocada pela entidade patronal. 

Fica vossa excelência para providenciar pelo envio, no prazo de cinco dias úteis, da Declarações Modelo 5044 da Segurança Social e do certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do nº. 1 do artigo 396º. do Código do Trabalho. 

Com os melhores cumprimentos, (…)


Decisão (ideias essenciais):

- A indicação sucinta dos factos que fundamentam a justa causa invocada pelo trabalhador, ainda que não tenha o grau de exigência em termos de descrição factual associado normalmente à nota de culpa, tem, no mínimo, de dar a conhecer ao empregador, de uma forma esclarecedora e precisa, o concreto fundamento da resolução contratual, não só para que este possa compreender as causas que conduziram, na perspetiva do trabalhador, à rutura contratual e, querendo, impugná-las em tribunal, como também para permitir a possibilidade de sindicância judicial do especifico fundamento invocado.

- Competia ao trabalhador indicar, na missiva que enviou, a data da prática dos factos, supostamente ilícitos. Não é possível descortinar quando e em que circunstâncias ocorreu a imputada falta culposa das condições de segurança e saúde no trabalho e qual a temporalidade da invocada lesão culposa dos interesses patrimoniais sérios do trabalhador. 

- O trabalhador limitou-se a utilizar expressões genéricas, vagas e conclusivas relativamente ao comportamento do empregador.


[Ac. do TRE, de 13.02.2025, processo n.º 824/24.3T8FAR.E1, relator Paula do Paço, disponível aqui]

01 agosto 2025

Art.º 28.º do CPT - Aditamento de novos pedidos e de causas de pedir

 Dois exemplos de decisões sobre o tema aqui e aqui.

Declarações de parte - ampliação dos factos sobre os quais vão as declarações incidir

Pergunta:

Quando a parte requer, logo no seu articulado inicial, a prestação de “declarações de parte” indicando os respectivos factos, preclude o direito de ampliar o âmbito factual de tais declarações, até ao início das alegações orais em 1.ª instância?


Resposta:

Com todo o respeito, a resposta só pode ser uma: não.

Na verdade, não só o regime da “Prova por declarações de parte” não estabelece norma igual à da “Prova por confissão das partes” - o artigo 452.º, n.º 2 do CPC -, como a lei processual também não determina, explicita ou implicitamente, a preclusão do direito de ampliar o âmbito factual das “declarações de parte”, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, caso a parte tenha indicado, parcialmente, os respectivos factos logo no articulado inicial.

Assim, o legislador não só determinou momentos processuais diferentes para a indicação dos factos sobre os quais hão-de cair o “depoimento de parte” e as “declarações de parte”, como lhe atribui diferente valor probatório, como decorre do n.º 3 do citado artigo 466.º do CPC:

“3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

[cf., sobre o valor probatório da confissão, o artigo 358.º do C. Civil].

Assim, atenta uma das regras base de interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do C. Civil, não pode, não deve, o intérprete tratar por igual o que o legislador expressou desigual: artigo 452.º, n.º 2, versus, artigo 466.º, n.º 1, ambos do CPC.

Por outro lado, sendo as “declarações das partes” de livre apreciação pelo tribunal, o processo de formação da convicção judicial não deve ignorar o princípio da verdade material.

O princípio da verdade material tem subjacente o princípio do inquisitório, introduzido no direito processual civil pelo artigo 411.º do novo CPC, já existente no direito processual laboral, pelo menos, desde o CPT de 1981. Caracteriza-se, na sua essência, pelo princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma e conjuga-se com o previsto reforço dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz, no sentido de que toda a actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma – cf. artigo 6.º do CPC.

E se tal princípio deve ser respeitado em todas as áreas do direito civil, por maioria de razão o deve ser na área do direito do trabalho, por força do poder-dever imposto ao juiz, pelo legislador, no artigo 72.º do CPT.

Em conclusão: caso a parte tenha apresentado no articulado inicial, requerimento de declarações de parte com a discriminação dos factos sobre que hão-de recair, não preclude o direito de ampliar o âmbito factual de tais declarações, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, independentemente, do momento temporal da intervenção ou do conhecimento.


(Ac. do TRP, de 15/12/2021, processo n.º 3675/20.0T8VNG.P1, relator Domingos Morais, disponível aqui).

29 julho 2025

Justa causa de resolução - prazo

A propósito do prazo de 30 dias previsto no art.º 395.º do Código do Trabalho

Do elemento literal da norma, que como se sabe constitui o primeiro elemento de interpretação, decorre que o trabalhador tem de manifestar a sua vontade de fazer cessar o contrato dentro desses 30 dias independentemente da data em que a comunicação de resolução chega ao conhecimento do empregador.

(Ac. do TRC, de 28.04.2017, processo n.º 176/16.5T8LMG.C1, relator Felizardo Paiva, disponível aqui)


Sumário:

I – O prazo de 30 dias a que alude o nº 1 do artº 395º do CT(artº 442º do CT/2003 e nº 2 do artº 34º da LCCT) caracteriza-se como um prazo de caducidade atento o disposto no nº 2 do artº 298º do C. Civil (‘quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição’).

II – A caducidade justifica-se, primordialmente, por razões de certeza dos direitos. O instituto fundamenta-se em razões objectivas de segurança jurídica, bem como na necessidade de definição, dentro de um prazo razoável, das situações jurídicas, evitando-se uma tendencial ‘vinculação perpétua’ por parte do obrigado que, caso contrário, poderia ser a todo o tempo interpelado pelo titular para efectivação do seu direito.

III – A comunicação de resolução do contrato de trabalho por justa causa deve ser feita nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos (independentemente da data em que a comunicação de resolução chega ao conhecimento do empregador).

IV – Tendo um destinatário certo, a declaração de resolução é uma declaração receptícia, pelo que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento do seu destinatário (nº 1 do artº 224º CC) – condição de eficácia apenas e nada mais.


Fundamentação (excertos):

Por todos é ainda aceite que, tendo um destinatário certo, a declaração de resolução é uma declaração receptícia, pelo que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento do seu destinatário (nº 1 do artº 224º do CC).

O conhecimento por parte do destinatário constitui uma condição de eficácia e nada mais. A resolução apenas produz os seus efeitos aquando do seu conhecimento por parte do empregador. Mas isto não pode significar que o direito à resolução não tenha validamente sido exercido dentro dos trinta dias previstos na lei quando o conhecimento da vontade do trabalhador na cessação do contrato tenha sido conhecida decorridos esses trinta dias.

Na verdade, no que se refere a este prazo a lei no nº1 do artº 395º do CT nada refere acerca da eficácia da declaração, limitando-se a dizer que a comunicação deve ser feita ou exercida nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

Do elemento literal da norma, que como se sabe constitui o primeiro elemento de interpretação, decorre que o trabalhador tem de manifestar a sua vontade de fazer cessar o contrato dentro desses 30 dias independentemente da data em que a comunicação de resolução chega ao conhecimento do empregador.

Também o elemento racional aponta nesse sentido, sob pena de se chegar a soluções absurdas e injustas.

Basta atentar no seguinte exemplo.

Suponhamos que o trabalhador resolvia o contrato, enviando a respectiva comunicação no dia seguinte ao do conhecimento factos em que funda a resolução e que, devido a diversas vicissitudes, só passados 50 dias essa comunicação chegava ao conhecimento do empregador.

Numa situação destas ninguém defenderá a caducidade do direito à resolução contratual. A não ser assim, estaria aberta a porta à legitimação das mais diversas “manobras” no sentido de não se tomar conhecimento da comunicação/declaração com a consequente caducidade do direito à resolução!

Em suma, dir-se-á que uma coisa é a eficácia da declaração e outra bem diferente é o exercício do direito à resolução que não caduca se exercido dentro dos trinta dias a contar do conhecimento dos factos que alicerçam a resolução independentemente da data em que a declaração/comunicação de resolução chegou ao conhecimento do destinatário empregador.

Com esta interpretação ficam plenamente salvaguardadas as razões objectivas de segurança jurídica, bem como a da necessidade de definição, dentro de um prazo razoável, das situações jurídicas.

No caso que nos ocupa, os factos potencialmente integradores da justa causa de resolução, ocorreram até ao dia 27 de Janeiro de 2015 e a autora comunicou por escrito a intenção de resolver o contrato de trabalho, remetendo, para o efeito, carta no dia 26 de Fevereiro de 2015, justamente no dia em se perfaziam os 30 dias previstos no nº1 do artº 395º do CT.

Por isso, o direito à resolução, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo não caducou sendo irrelevante, para o efeito, que o conhecimento da comunicação de resolução apenas tenha sido conhecida da empregadora no dia 27 de Fevereiro de 2015. 

Arresto - Justificado receio de perda da garantia patrimonial

Sobre o tema, algumas decisões dos Tribunais da Relação:

Aqui, aqui, aqui e aqui.

13 junho 2025

Contrato de trabalho desportivo - Resolução com justa causa

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.04.2025 

Processo n.º 1776/20.4T8BCL.G1

Relator Maria Leonor Barroso

Disponível aqui


Sumário (excerto):

Constituiu justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo, a falta de registo do contrato, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da actividade para a qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento.


Fundamentação (excertos):

Ora, tal como mencionado na sentença sendo vários os fundamentos invocados, desde logo o incumprimento por parte do clube (ré) da obrigação de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação de futebol é suficientemente grave para determinar a resolução do contrato com justa causa (7º registo 1 - “A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação...”- Lei 54/2017, de 14 de julho (Regime Jurídico do praticante desportivo, doravante RJPD).

Segundo o art.  11º, a, b, d, do RJPD são deveres da entidade empregadora desportiva, em especial: (i) proceder ao registo do contrato de trabalho desportivo ( nos termos do artigo 7º), (ii) proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva, (iii) Permitir que os praticantes participem nos trabalhos de preparação e integrem as seleções ou representações nacionais”

Ora, face à matéria provada, forçoso é concluir que a ré incumpriu a primeira e vital obrigação de registar o contrato desportivo, o que, por inerência, implicou o incumprimento das obrigações de proporcionar ao jogador as condições de participação desportiva e de integrar seleções ou representações nacionais, dado que sem contrato de trabalho registado na federação o autor não tinha condições legais para exercer tais direitos.

Ademais, note-se que “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário.” - no 5 do citado art. 7º. A ré não conseguiu afastou a presunção de culpa que sobre si impendia, como decorre da matéria provada e não provada.

Diga-se, ademais, que também se comprovou que o autor foi afastado do treino com a equipa principal (o art. 11º, b), RJPC onde se consagra o “direito ao treino”).

O clube desportivo (empregador) está sujeito aos deveres genéricos extensíveis a qualquer empregador constantes da lei geral do trabalho, a que que acrescem deveres específicos próprios das relações de trabalho desportivo. Destaca-se o dever de proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades instrumentais da competição desportiva - 11, b), do RJCTPD. O praticante desportivo tem um direito ao trabalho nesta vertente de participação no desporto, o que quer dizer nos treinos e actividades preparatórias da competição, e de o fazer inserido em igualdade e no normal grupo de trabalho, excepto em casos muito específicos de natureza médica (problemas de saúde do jogador ) ou técnica (decisão da equipa relacionadas com estratégia de jogo ou disciplinar) - 11, b), do RJCTPD, 14º, d), CCT, e no regime geral 129º, 1, b), CT.

Se é certo que o jogador apenas tem direito a treinar e não direito a competir/participar nos jogos oficiais, aquele direito ao treino, para ser efectivo, requer a existência de condições e a participação em treino conjunto com os demais jogadores e treinador. Nisto se concretiza o direito a ser treinado, um direito de ocupação efectiva mitigado por não garantir, nem se estender, ao direito a participar nas competições oficiais.

 João Leal Amaro (Contrato de Trabalho Desportivo, Almedina, 2019, pág. 72 e 73), discorrendo sobre a existência ou não de um verdadeiro direito de ocupação efectiva a cargo do empregador (11, b., do RJCTPD) oscila, referindo que a norma afirma e desmente, em simultâneo, a sua existência. De todo o modo, o autor conclui que aquele não pode ser entendido como direito a participar na competição desportiva, mas abrange o ciclo pré-competitivo, o direito na participação nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição.

Ora, no caso verifica-se o incumprimento deste dever, competindo à ré a contraprova da existência de uma razão justificativa, mormente lesão física de tal modo grave que impedisse o autor de jogar ou treinar. A ré não provou essa razão (ademais, como se referiu na fundamentação da matéria de facto, o autor após resolver o contrato voltou para o seu clube e jogou duas épocas desportivas).

O incumprimento resultante da falta de pagamento do salário de julho de 2019 (vencido em 5-07) é apenas coadjuvante dos demais referidos fundamentos para a resolução do contrato.

Constituiu justa causa para a resolução do contrato o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva - 23º, 1, d), 3, RJPD.

É o caso, seguramente, da falta de registo do contrato de trabalho desportivo, obrigação essencial e primária a cargo do Clube, que coarta totalmente ao jogador o desempenho da sua função/actividade para o qual foi contratado, que lhe anula absolutamente a possibilidade de desempenhar desporto profissional (objecto do contrato) e de progredir na carreira. A que acresce a violação do direito ao treino, bem como a falta de pagamento do vencimento, tanto mais que se trata de um jogador estrangeiro apartado do seu meio.


Outro aspeto muito relevante, ainda que não aflorado no recurso (art.º 24.º, n.º 1 do RJCTD vs art.º 48.º CCT dos Jogadores Profissionais):

O contrato de trabalho desportivo foi celebrado em 15/07/2019 para a época desportiva 2019/2020 (remuneração total de 48.000,00€) e para a época desportiva 2020/2021 (remuneração total de 54.000,00€), com um prémio desportivo de 5.000,00€ em caso de manutenção na Primeira Liga.

O contrato de trabalho foi resolvido com justa causa a 31/08/2019.

Depois da resolução com justa causa, o Jogador regressou à equipa que tinha representado em 2018/2019. 

Ora:

O Jogador peticionou o valor global de 107.000,00€ (remunerações das 2 épocas + prémio desportivo) e uma indemnização de danos morais no valor de 10.000,00€.

O Clube defendeu que, caso se viesse a entender que teria de pagar ao Jogador uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa, teriam de ser deduzidas as retribuições auferidas pelo Jogador no exercício da mesma atividade, a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão e até ao termo previsto para o contrato (ou seja, nos termos do art.º 48.º, n.º 1 do CCT)  

O Clube foi condenado a pagar a quantia global de 110.000,00€, ou seja, inclui as remunerações das 2 épocas (ou seja, nos termos do art.º 24.º, n.º 1 do RJCTD)


05 junho 2025

Despedimento por facto imputável a trabalhadora grávida com contrato de trabalho de serviço doméstico - parecer CITE

No despedimento ocorrido num contrato de serviço doméstico, ainda que se tenha provado que a trabalhadora estava grávida, não é exigível parecer prévio da Comissão para a Igualdade – CITE - aqui [legislação anterior à Agenda do Trabalho Digno]

Formação profissional - serviço doméstico

Empregador não tem o dever de proporcionar formação contínua - ver, por exemplo, aqui [legislação anterior à Agenda do Trabalho Digno]